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Sem rodinhas

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Eles chegaram cedo à praça. O avô segurava uma pequena bicicleta cor-de-rosa, sem rodinhas. Os cabelos e a barba cerrada, ambos brancos, calvície centrada no cocoruto. A menina devia ter não mais que 5 anos, estava agasalhada. Não fazia frio, mas o dia amanheceu bem nublado. Os dois circularam um pouco pelo espaço, até que o avô entregou a bicicleta para ela. Havia uma expectativa no gesto dele.

Com a língua no cantinho da boca, com uma expressão de curiosidade no rosto, ela deu as primeiras pedaladas, bem vacilantes. Não conseguia se equilibrar sobre o veículo. Pedalava, mas não conseguia manter as mãos firmes no guidão. Tremia e deixava os braços virarem, levando a bicicleta cada hora para um lado, a ponto de quase cair, várias vezes.

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O avô acompanhava cada pedalada ao lado dela. Com as mãos na parte detrás do banco, impedia que ela caísse ou que seguisse, sem controle, muito para um lado ou muito para o outro. Ele falava baixo, dava orientações de maneira discreta. Sua voz era praticamente inaudível.

Ele insistiu por várias dezenas de tentativas. Não demonstrou cansaço ou impaciência em nenhuma delas. Parou apenas uma vez, imagino eu, que observava de longe, para tomar um ar. Às vezes, precisava dar uma corridinha para conseguir acompanhar a menina, que seguia firme nas tentativas, deixando as duas tranças deitadas em suas costas dançando no ar. A menina parecia concentrada no que fazia e também se divertia. Ouvi algumas risadas no processo.

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Acho que o amor também é como aquela insistência delicada daquele avô. Cuidadosamente, respeitando o espaço da menina, ele se manteve ali para oferecer uma mãozinha, sempre que solicitado. Sem pressionar, sem deixá-la perder a motivação. Uma presença quase silenciosa, mas absolutamente entregue e atenta. Ele não tirava os olhos dos movimentos dela. Não saía de perto. Em dado momento, percebi que a menina estava sem o agasalho, e quando me dei conta, ele estava no ombro do avô. O amor também estava lá.

E as tentativas não pararam. Eu fiquei torcendo para que a pequena conseguisse, finalmente, pedalar e seguir em linha reta, até que não fosse mais preciso que ele segurasse a parte detrás da bicicleta. Corrigi-me na sequência. Aquele momento era infinito, completo em si mesmo. É o orgulho que aquele avô vai carregar por toda vida, toda vez que souber que ela vai pedalar. Passei a querer que o vínculo entre eles fosse sempre daquela forma, que eles voltem à praça em outras muitas manhãs.

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Com aquela bicicleta rosa, em uma manhã cinza qualquer, eles coloriram o dia um do outro – e o meu por tabela. Passei a querer que ela sempre se lembrasse daquele momento. Que tivesse a dimensão do que aquele passeio significa. Talvez, ela saiba.

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