O que você faz com o ódio que sente?


Por Renan Ribeiro

07/02/2020 às 07h00

Devagar, dia após dia, o ódio foi chegando mais perto. Vestido com seu paletó mais asseado, cada fio de cabelo no lugar, houve o momento em que, finalmente, se sentou na cabeceira da mesa. Ele sempre esteve à espreita, aguardando a melhor oportunidade. Nesse lugar, não se deixou ficar por muito tempo. Encontrou as áreas sensíveis de cada um dos outros que estavam a sua volta e tocou nelas da maneira mais doída que conseguiu. Explodiram, em seguida, palavras ferozes, pratos quebrados, pele e consciências feridas. Absolutamente nada depois disso foi igual.

Silenciosamente o ódio foi tomando a tudo o que via, chegando, sorrateiramente, a todos os cantos. O que antes ficava escondido, trancafiado, disfarçado, ou demorava a se mostrar, de repente, passou a ser escancarado de maneira orgulhosa, falando alto, se autoproclamando a voz da razão. O sentimento tornou tudo mais difícil: fechou portas e janelas, tornou os olhares desinteressados, empobreceu as conversas e as relações, em alguns casos, tornou as trocas impossíveis, inviáveis.

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O pior de tudo é que ele não poupou ninguém. Fez olhar e descobrir a parcela dele que está presente em todo mundo. Alguns se acostumaram rapidamente a tê-lo por perto. Outros, como eu, estranham toda vez que ele aparece. É difícil naturalizar um sentimento que só deixa um rastro de destruição por onde passa. Tanto que, outro dia, pouco depois do café, me surpreendi com uma constatação de uma amiga: “as pessoas não têm mais tempo para nada, mas continuam tendo tempo para o ódio”. Isso acontece o tempo todo. Em uma fechada no trânsito, em uma publicação na internet, em uma discussão qualquer em uma mesa de bar. Qualquer pequena fagulha é suficiente para despertá-lo. Embora tenha ficado espantado com o que ela disse, não posso deixar de concordar.

Mas eu me recuso a ser conivente com o ódio. Diante dele, escolho o desvio. Busco o olhar terno e equilibrado da empatia, o abraço quente do diálogo. Decido me emocionar e deixar as lágrimas verterem de meus olhos sempre que quiserem – isso fez de mim ainda mais forte – e, também, me empenho em cultivar o afeto, atenção, audição. Além disso, tento não atribuir importância ao que se destina única e exclusivamente a ferir e causar algum mal, sem construir absolutamente nada.

Escolhi não entrar em brigas que não valem o esforço. Lutar é um verbo que levo muito a sério para desperdiçar com qualquer expressão de depreciação gratuita. Deixo o ódio se queimar sozinho, sem plateia, sem me envolver. Enquanto ele tiver a atenção do público e não for responsabilizado pelos danos que causa, não há aprendizado e, repito, nada é construído. No presente, com o tempo figurando como o bem mais precioso e mais escasso, me parece pouco produtivo desperdiçá-lo disseminando ódio. Poderia passar o dia listando todas as coisas que podem ser feitas com o tempo inutilizado pelo gasto com ele. Mas isso, de tão óbvio, também me parece infrutífero. Vale, no entanto, deixar uma reflexão, que pode, quem sabe, levar a um tratamento: o que você faz com o ódio que você sente?

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