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Adultos destemidos

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Um menino de uns cinco anos entrou no ônibus, acompanhado da mãe. Ele entrou na frente dela, passou por debaixo da catraca, como era comum ver há algum tempo. Ele encontrou lugar vazio para os dois, no fundo do veículo. O semblante travesso já anunciava que vinha bomba. A coitada da mãe mal conseguiu sentar direito e foi nocauteada: “Quando eu crescer, vou ser igual a todos os adultos. Não vou ter medo! Adultos não têm medo!”. Dois segundos depois, a mulher teve a brilhante presença de espírito de dizer que os adultos tinham medo sim e, segundo ela, ele se manifesta de muitas formas, sobre muitos temas. Já vi muitos pais esconderem suas vulnerabilidades de seus filhos. Já ouvi relatos de filhos que nunca viram seus pais chorarem, especialmente, os pais (os homens), já que o machismo tóxico, que nos obriga a reprimir nossas reações e sentimentos continua bem presente. Percebo, no entanto, que ainda ocorre um certo medo por parte de alguns mais próximos, mesmo que não verbalizado, de que as crianças deixem de vê-los como heróis.

O menino teimou, insistindo que os adultos não tinham medo de nada. Eu quis muito descer com ele daquele ônibus, sentar no chão e olhar nos olhos dele, com calma. Dizer que todo adulto sente medo, muito medo. O maior desafio da vida adulta é, pelo que venho experimentando até agora, o tal do medo. Acordamos mais cedo com medo do despertador não tocar na hora certa. Temos medo de perder as pessoas mais próximas. O medo de a nossa escolha profissional não ser bem sucedida. De perder o emprego ou de não conseguir um. O medo de algo, ou de tudo dar errado. O medo de que o relacionamento termine. Medo de não conseguir estar presente. Medo de estar ausente. O medo de ficar só. O medo do futuro. O medo do presente. Tudo apavora, apequena, angustia e faz querer voltar a ser criança. Medo do tudo e do nada. De viver e de morrer. Da notificação que você fica com medo de não chegar ao pânico de esperar o ‘transação aprovada’ nas máquinas de cartão. Tudo é motivo para sentir medo em menor ou maior escala.

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Mas gostaria muito dizer a ele que o medo também passa. Que é possível aprender a conviver com ele, assim como com muitos outros sentimentos, com os quais travamos verdadeiras batalhas. O medo não deve ter o poder de nos paralisar. Queria que ele soubesse que é normal sentir medo, que não há nada de errado com ele, porque ele se sente ou se sentiu amedrontado. Tudo que eu espero, no fim das contas, é que ele encontre uma maneira saudável de lidar com seus próprios medos e aprenda com eles. Talvez eu tenha ido longe demais e o pobre coitado do garoto devia estar se referindo a algo absolutamente específico, como medo de injeção, ou de uma lagartixa. Mas não tive como não ficar ansioso com a questão dele. Ainda gostaria muito de saber quais eram as expectativas dele sobre como seria lidar com seus medos quando chegar à idade adulta. Adoraria saber de onde ele tirou que adultos não têm medo. E por fim, que ele entendesse que o medo faz parte da vida, mas não precisa ser o protagonista dela. Em alguns momentos, ele até chega a ser bom conselheiro, impedindo alguma ação intempestiva ou desmedida.

Toda vez que a palavra medo chega aos meus ouvidos me lembro de Carlos Drummond de Andrade e do poema ‘Congresso Internacional do Medo’, onde ele diz que o medo é nosso pai e nosso companheiro. Hoje, em um contexto que eu acredito ser muito distante daquele menino, há mesmo um ambiente fértil para as flores amarelas e medrosas. Se os adultos resolverem que não querem morrer de medo, talvez, elas não cheguem a nascer. No fundo, ainda torço para que um dia o heroísmo que o garotinho espera de nós e do futuro, vencendo todos os medos, se torne uma realidade.

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