Conselho de amigo


Por Renan Ribeiro

06/03/2020 às 07h15

Caro amigo, devo dizer que, inevitavelmente, ao longo da vida, já reproduzi falas machistas. Elas saíam e, às vezes, ainda saem sem que eu esteja totalmente consciente. Como é algo que faz parte das estruturas e de como fomos moldados a pensar, há sempre algo sutil que passa batido, ou passava. Se você se sente cada vez mais cobrado, é preciso alertar que isso vai acontecer cada vez mais. Esse caminho é inevitável. O desconforto precisa estar cada vez mais presente em nossas vidas.

Certa vez, uma mulher apontou para mim e disse: “Você é machista”. Não me recordo qual era o contexto, só lembro do susto que me tomou e o assombro depois dele. Em um primeiro momento, embora estivesse me sentindo ofendido, sabia que nada do que eu fizesse ou falasse, naquele caso, resolveriam. Me calei. Matutei durante muito tempo, procurei entender como eu teria chegado até aquele ponto. Com o que venho aprendendo depois disso, deixei uma série de comportamentos e de pensamentos para trás, porém, sei que ainda falta mudar muita coisa. Trata-se de um processo. Hoje, agradeço por ter vivido o choque, mesmo sem lembrar quem foi a responsável pela afirmação.

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Confesso que doeu ouvir a frase, soa como um xingamento. Mas ela despertou a vontade de saber qual era a origem do gesto que apontaram em mim e o porquê de ele ter incomodado tanto quem ouviu. Foi assim que eu aprendi um pouco sobre o que é lugar de fala. Parece estranho, e pode soar até confuso, mas costumo pensar em uma relação bem simples quanto a isso. Se não sinto na pele todas as implicações que envolvem ser mulher, que propriedade tenho eu para dizer algo sobre o que se passa com ela? Por isso, quando começo a escutar um relato ou uma vivência de uma mulher, me limito a escutá-la.

Agora sei que é preciso estar sempre disposto a ouvir. Ouvir de verdade. Prestando atenção e compreendendo, inclusive, o que não é dito. Há olhares que são carregados de significados profundos. Há gestos que demonstram desconforto claramente. Entre elas, eles são facilmente lidos e geram uma comunicação cada vez mais eficiente. Nós, homens, precisamos estar mais atentos, abertos a aprender sobre essas mensagens e saber os momentos em que é preciso parar e dar vários passos para trás.

Digo por mim. Não quero que nenhuma mulher se sinta desrespeitada ou ferida por algo que eu tenha feito. Não quero agir de modo que elas se sintam acuadas, ameaçadas ou com medo. Não quero que elas se sintam diminuídas ou constrangidas por nenhuma atitude minha. Pelo contrário. Me interesso cada vez mais pelo que elas têm a dizer, pelo que elas pensam, querem e fazem.

É gratificante quando uma mulher fala com entusiasmo sobre algo que gosta, sem ser interrompida ou com alguém tentado completar suas frases. Assim como é recompensante incentivá-las a fazerem o que querem. Não perdemos espaço, não perdemos nada. Posso dizer que, buscando ouvir o que as mulheres têm a dizer, tenho aprendido muito e ganhado muito mais. Mas tudo é um processo, e partimos de pontos diferentes, estamos em pontos diferentes e vamos caminhar até o fim da vida.

Não é fácil abrir mão de privilégios. Mas é urgente que a gente se conscientize. E por mais que estejamos cercados por muitas mulheres que estão dispostas a dialogar sobre, também precisamos entender que elas não têm o dever nem a obrigação de nos ensinar nada. Essa obrigação é nossa! Precisamos buscar aprender por iniciativa própria, porque nos interessamos em ser homens melhores. Não tem caminho fácil, não tem caminho certo. No entanto, uma vez que você se coloca no lugar de uma mulher sinceramente, é difícil não encontrar algo de errado na própria atitude. Mudar, nesse sentido, é um imperativo: mais do que uma necessidade, é uma questão de sobrevivência.

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