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Não sei se prefiro mais o frio

Na região central da cidade, é fácil encontrar pessoas deitadas sob marquises, dormindo ao chão (Foto: Fernando Priamo)

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Toda vez que a pergunta era sobre o clima favorito, a resposta era sempre a mesma: “prefiro frio”. Costumo sentir muito calor. Quando alguém mais próximo me vê agasalhado, logo diz: “olha, tenho que me preparar, porque se até ele está sentindo frio, é porque a coisa vai ficar feia.” É comum ouvir as mães dizerem: “Vai esfriar, leve um casaco”. Uma negativa a esse conselho, geralmente, era sinônimo de que íamos encarangar em algum momento antes de voltarmos para casa. Mas boa parte das vezes que ouvi a sugestão, levava uma blusa e voltava com ela pendurada no ombro.

Qualquer onda de tempo mais quente era suficiente para que eu ficasse incomodado por estar suando muito e, quando fica abafado demais, dependendo da situação, chego até a sentir algum mal-estar. Há também outros inconvenientes que ocorrem nas estações mais quentes. Dormir no calor, sem um ventilador, ou algo que traga um pouco de refresco, é ruim. Há uma sensação de inquietude que o tempo quente traz, que não deixa o corpo ficar totalmente confortável.

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Mas chega um momento que a vida prova que as nossas impressões, as coisas que conseguimos captar com os nossos sentidos e ideias cristalizadas ao longo de anos, podem não ser mais tão coerentes. No meu caso, o que despertou a necessidade de pensar diferente foi o contato com o Jornalismo.

Há algum tempo acompanho as ações que são desenvolvidas para as pessoas em situação de rua. O quanto elas estão expostas, tanto no inverno, quanto em qualquer outra estação. Mas as baixas temperaturas colocam essa população que já vive uma série de vulnerabilidades em uma situação de desproteção ainda maior. Entendi, enfim, que dizer que preferia o frio com tanta veemência era, além de um grande privilégio, não levar em consideração todas as dificuldades que esse período representa para outras pessoas.

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Ter consciência de que há pessoas dormindo direto em calçadas e ruas, sem qualquer conforto, em espaços abertos, com temperaturas baixíssimas, ventos fortes e sem poder contar com cobertas ou roupas quentes o suficiente, ou alimentação adequada para amenizar o quadro, me faz repensar. Até então, entendia esse período do ano como algo bom.

É importante pontuar que há mudanças climáticas em curso, que têm afetado cada vez mais a vida das pessoas. Enquanto há esforços para oferecer alternativas para a população que padece com o frio na cidade, há registros de mortes por ondas de calor extremo em outros pontos do mundo neste momento, como ocorre, por exemplo, no Canadá.

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Não é problema dizer que há uma preferência entre o frio ao calor. É uma condição sazonal, em alguns anos, ele é mais rigoroso, em outros menos. Mas não muda o fato que ele chega em algum momento. A solidariedade, por mais forte que possa ser, também não resolve o problema sozinha. O que altera, para mim, é que não dá mais para esquecer das pessoas que sofrem com a falta de condições que as levam para as ruas, ou as colocam em situações de vulnerabilidade extrema. Conhecer realidades que são muito diferentes das nossas é cada vez mais relevante e urgente, para que finalmente consigamos estabelecer um novo olhar e fazer melhor.

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