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Ditadura nunca mais!

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“Já havia amanhecido. Naquele 28 de abril de 1967, os soldados iniciaram a troca da guarda na Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora. Era sexta-feira. Às 8h05, o oficial de dia, tenente Fernando Antônio Carneiro Barboza, determinou que um soldado percorresse as celas e avisasse que as camas deveriam estar arrumadas para a passagem do serviço. Vinte e cinco minutos depois, Barboza e o primeiro tenente, o jovem José Mauro Moreira Cupertino, que chegara para assumir o serviço, começaram a revista de praxe das celas.
Os militares pararam em frente a de número 30. Não viram ninguém.
– Milton Soares de Castro, favor se apresentar.
Não houve resposta.
– Milton, apresente-se – insistiram.
Mais uma vez, não houve resposta.
A porta de ferro foi aberta. A cama do militante estava desarrumada. E no chão de tacos havia apenas um par de sapatos. Uma parede de cimento separava o cômodo inferior a seis metros quadrados da privada turca.
De repente, gritaria.
– Pega um gilete.
– Corta aqui.
– Rápido.
– Todos os presos políticos fiquem de costas. Não se aproximem das grades.
A ordem estava entrecortada por uma movimentação estranha. Havia muita correria e certo desespero.
O operário saiu carregado pelo tórax e tornozelo.
Quarenta e cinco minutos depois, o primeiro tenente voltou para a galeria, onde anexou um papel na porta da cela 30, localizada na Galeria A.
LACRADO EM 28 DE ABRIL DE 1967, ÀS 9H15
ASS: BARBOZA
Já estava de saída, quando foi interpelado pelos presos políticos.
– Cadê o Milton?
– Está morto.
– Morto como – questionou Amadeu, um dos colegas do Caparaó.
– Suicídio. Ele se enforcou com o lençol.”
O trecho foi extraído do livro Cova 312, que lancei em 2015. Escolhida vencedora do prêmio Jabuti, a obra conta a história do militante político Milton Soares de Castro, único civil da Guerrilha do Caparaó encontrado morto dentro da Penitenciária de Linhares, um dos presídios políticos mais importantes do país. O corpo de Milton desapareceu por 35 anos. A sepultura dele foi localizada por mim, em 2002, no Cemitério Municipal de Juiz de Fora. Só em 2014 consegui encontrar no Superior Tribunal Militar, em Brasília, os documentos que comprovaram o assassinato do militante gaúcho. A imagem da necropsia é contundente: os ferimentos de Milton eram incompatíveis com suicídio. Com as provas da investigação, a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Governo federal mudou a causa da morte dele para “morte não natural ocorrida em dependências do Estado”.
Hoje, 55 anos após o golpe de 1964, venho dizer, em memória do Milton e de todos os mortos e desaparecidos políticos do regime militar: Ditadura, nunca mais!

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