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“Ela é doidinha”

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Há poucos dias, eu estava na sala de espera de uma clínica multiprofissional acompanhada do Diego. Nós conversávamos sobre sua nova atividade, a aula de jiu-jítsu. Ao nosso lado havia uma menina pouco mais velha do que ele com sinais de autismo. Agitada, ela andava de um lado para o outro. Em poucos minutos, começou a chorar e a gritar. Entrou em surto. Precisou ser contida para não ferir a si mesma. Antes disso, ela se aproximou do Diego. Naquele momento delicado, eu tive medo que aquela criança pudesse machucá-lo. Segundos depois, senti muita vergonha do meu pensamento. Fiquei tão decepcionada comigo mesma que consegui medir o tamanho da dificuldade que a sociedade tem em incluir pessoas fora dos padrões pré-estabelecidos. Logo eu, que sempre defendi a causa dos que sofrem de invisibilidade, me comportei de maneira tão preconceituosa e vil.
Quando Diego foi chamado, a profissional que o recebeu tentou amenizar o “clima”. Explicou para ele que a coleguinha deveria estar aborrecida, por isso se comportou daquela maneira.

_ Ela é doidinha, respondeu Diego, movimentando o dedo indicador ao redor do ouvido.

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_ Não é não, Diego. Você também chora e nem por isso é considerado doidinho, respondeu a profissional.

Tudo aquilo mexeu muito comigo. O estigma da loucura presente no vocabulário de um menino de apenas 6 anos e as ideias sombrias que eu julgava não ter, como o sentimento inconfessável e equivocado de que uma criança é melhor do que a outra. Do alto do meu orgulho, julguei ser meu filho merecedor de mais proteção do que aquela menina. Até agora, essa lembrança dói em mim, porque demonstra o tamanho do meu egoísmo.

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O irônico é que esse episódio aconteceu justamente na semana em que assisti ao filme “O contador”. Dirigido por Gavin O’Connor e estrelado por Ben Affleck, a trama mostra um solitário gênio da matemática que se torna consultor financeiro e colabora com operações internacionais de lavagem de dinheiro. O detalhe é que o personagem principal tem Síndrome de Asperger, uma condição neurológica do espectro autista. Quando o filme de ficção chegou ao fim, fiquei pensando no quanto desconhecemos o universo de pessoas com transtornos mentais. No caso do autismo, uma a cada 160 crianças no mundo são afetadas, segundo a Organização Mundial de Saúde. Todas têm direito de acesso a grupos e serviços de apoio, mas poucas conseguem assistência adequada.

Por causa do episódio desastroso que vivi com meu filho, me interessei pelo livro “Ten Things Every Child with Autism Wishes You Knew” (dez coisas que toda criança com autismo gostaria que você soubesse”). Nele, a autora Ellen Notbohm descreve, do ponto de vista da criança, dez características que ajudam a entender – e não a definir -, meninos e meninas com autismo. A primeira delas foi a que mais me marcou: “antes de tudo, eu sou uma criança. Meu autismo é apenas um aspecto de toda minha personalidade. Ele não me define enquanto pessoa”. Em seguida, outro ponto: “ajude-me nas interações”. Existe mais de um jeito “certo” para fazer as coisas.

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Após ler o livro, percebi que quem mais precisava de ajuda era eu.

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