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“Os que merecem morrer”

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Foto: Marcelo Ribeiro

Me recusei a continuar lendo os comentários na internet sobre o assassinato da vereadora do Psol Marielle Franco. Instantes depois de a morte dela e do motorista Anderson Gomes terem sido anunciadas na TV, após uma execução a tiros no Rio de Janeiro, começou a circular nas redes sociais frases do tipo: “Quero ver agora como essa militante dos direitos humanos vai continuar defendendo bandidos… kkkkk”. São mensagens de sarcasmo tão brutais quanto a voluntária incapacidade de enxergar que a luta contra violações de direitos humanos é em defesa de nós mesmos, da sociedade e da democracia.

De que bandidos os comentaristas de plantão, sabedores de tudo, disseminadores do ódio estão falando? Dos moradores do Complexo de Favelas da Maré, no Rio, onde Marielle nasceu, cresceu, tornando-se porta-voz dos socialmente mudos? De uma população negra e pobre que é cotidianamente criminalizada e ignorada pelos poderes públicos que governam para um país cenográfico? De mulheres cuja liderança é alvo de ataques de violência porque ousam desafiar o status quo de uma sociedade machista, que cultua a intolerância e a barbárie em meio a seus discursos moralistas?

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Independentemente de sua cor, crença, orientação sexual e do que Marielle escolheu ser, ela é reconhecidamente uma pessoa que lutou pelo direito de estudar e foi capaz de colocar seu conhecimento e energia em favor de brasileiros obrigados a sobreviver à indiferença e ao abandono do estado. A execução dela lança luz sobre o assassinato de outros 24 líderes comunitários do país silenciados em menos de quatro anos. E tão assustador quanto assistir ao extermínio cotidiano dessas vozes é perceber que uma imensa parcela da população se compraz com a morte de todos aqueles que pensam diferente. Gente que torce pelo domínio da força, que aceita que os fins justifiquem os meios. Que prega a paz e o amor entre os seus, mas vibra com o massacre daqueles que julgam “merecer morrer”, ignorando que a vida é o bem maior.

A morte de Marielle não pode se tornar um mero debate de ideias e opiniões sobre a esquerda e a direita brasileiras. Ao banalizar a existência e abrir mão da empatia diante da dor do outro, matamos o humano em nós.

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