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Pedagogia do não

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Fui passar o feriado de carnaval em um hotel fazenda em Virgínia (MG), bem no meio da Serra da Mantiqueira. Prometi a mim mesma que seriam dias de contemplação. A jornalista ficaria em casa. Meus planos iam bem até que meu filho me chamou para ir no que ele batizou de “sauna”, uma piscina de água tão quentinha que faz relaxar até o mais estressado dos mortais. Lá, sentada com ele em frente a um mar de montanhas, fui abordada por uma idosa. Moradora do Rio de Janeiro, ela me perguntou a idade do Diego. Surpreendeu-se de ser a mesma do neto dela.

– Ah, minha filha, ontem meu neto tocou o terror aqui. Os recreadores reclamaram dele, disseram que o garoto não obedece a nenhum “comando” e que tentou fugir o tempo todo. Tu sabes o que eu fiz? Toquei o terror também. Disse que, se ele não se comportasse, “eles” nos expulsariam daqui. Aí nada de piscina e férias”, contou rindo.

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A frase dela ligou meu HD. Na hora, me lembrei de conhecidos que, assim como aquela senhora, delegam aos “outros” a educação dos filhos ou de alguma criança sob a sua responsabilidade. Para não se indispor com os pequenos, muitos adultos preferem atribuir a autoridade a estranhos, utilizando a pedagogia da coerção e do medo. Quantas vezes ouvi mães dizendo para seus filhos não subirem na mesa de um restaurante, porque o garçom, que é mau, iria repreendê-lo, ou que a polícia “pega” meninos desobedientes. E o que dizer do medieval “véio do saco”, expressão popular mais usada do que imaginamos e que sugere à criança que um adulto vai carregá-la como forma de castigo.

Pode parecer engraçado, mas não há nada de divertido nisso. Não consigo entender por que a nossa geração tem tanta dificuldade para traçar limites a crianças que parecem mandar em casa. Sem referencial, meninos e meninas se comportam como pequenos ditadores frente a pais paralisados que recebem ordens e até empurrões de quem não aprendeu a conviver em sociedade, porque não têm em quem se espelhar. Dizer não é tão necessário quanto um aconchego. É também uma forma de carinho para quem começa a dar seus primeiros passos na direção da coletividade.

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Em um mundo com tantos estímulos, as crianças estão cada vez mais precoces e exigentes diante de pais que trabalham duro para dar “o melhor” a seus filhos, porém se sentem exaustos demais para oferecer a eles o que mais precisam: atenção. Nossos filhos têm muito a dizer, precisamos ouvi-los, mas sem nunca abrir mão do papel que nos cabe. Podemos ser pais amigos, mas não deveríamos jamais abrir mão da responsabilidade que assumimos com eles. E se não fizermos isso na infância e na adolescência, assistiremos ao nascimento de adultos prepotentes, egoístas, incapazes de se relacionar com o outro, porque, durante boa parte de sua vida, o “mundo” os serviu.

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