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Os filhos que perdemos no quarto

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Assisti uma interessante palestra da pedagoga Heloísa Pires, filha do saudoso jornalista, escritor e filósofo Herculano Pires. Com especialização no atendimento de crianças com deficiência, Heloísa é uma profunda conhecedora da infância e adolescência. Em um determinado momento da sua fala, ela abordou um dos grandes dilemas da atualidade: a situação das famílias cujos filhos estão perdidos em seu próprio quarto. Me identifiquei na hora com a expressão usada por ela, porque reflete a trágica realidade que a minha geração tem enfrentado diante da concorrência dos videogames e do encantamento provocado pelos chamados youtubers. Se deixarmos, nossos pequenos passam horas e horas entretidos em mundos virtuais, como o Minecraft, jogo eletrônico que permite a construção de qualquer cenário através de blocos. O fato é que não sabemos lidar com o fascínio que a tecnologia exerce nas crianças e com a idolatria delas em torno de jovens que se tornaram famosos embora sem nenhum conteúdo. O mérito deles é conseguir falar o digitalês, a linguagem da internet, transformando-se em ídolos para milhões de brasileirinhos.

Muitos desses youtubers famosos incentivam o consumo, o desperdício e o pouco apreço pelo outro. Felipe Neto, por exemplo, com mais de 20 milhões de inscritos em seu canal, disse em um vídeo recente no qual aparece jogando, que iria “comer o seu pai, transformar seu pai em gay, fazer ele se apaixonar e depois dispensar ele”. Não satisfeito, continuou seu festival de delírios. “Vou fazer ele entrar em depressão e se matar, seu merda”. É isso que os adolescentes têm ouvido de pessoas que estão enriquecendo diante de uma audiência acrítica.

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Lá em casa, videogame e youtube só podem ser vistos nos finais de semana. Mas reconheço que esse pequeno limite não é suficiente. Meu filho, que só tem 7 anos, acompanha o Lucas Neto, irmão do Felipe. O Lucas tem outro discurso, é mais trapalhão e pretensamente inocente, porém não ensina nada que tenha valor e, ainda assim, domina a cena. Consegue vender todos os produtos da sua marca, inclusive uma coxinha recheada com nutela que é comercializada no quiosque de um shopping no Rio. Dia desses, um motorista que me levou para o aeroporto Galeão contou suas peripécias para viajar com a filha de 5 anos ao Rio por causa da tal coxinha. Fiquei impressionada com o esforço daquele pai que, para agradar sua menina, se deslocou até a Barra da Tijuca em busca daquele produto.

A verdade é que nós, pais, temos culpa no cartório. Permitimos que nossos meninos e meninas se percam no quarto, porque, diante das telas, eles nos dão “folga”. O conveniente, no entanto, pode nos custar caro. E não estou falando em dinheiro, não. A tecnologia não supre a sede de amor. Abandonar o filho na segurança de casa nos fará pagar um alto preço. Sem limite, referência e convivência, eles não se tornarão pessoas felizes, solidárias e preparadas para enfrentar o mundo real.

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A conta do nosso comodismo chegará no dia em que olharmos para nossos filhos e nos sentirmos incapazes de reconhecê-los.

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