Conheci em Ferraz de Vasconcelos, na microrregião de Mogi das Cruzes, uma advogada que abriu mão do status da carreira para se tornar bibliotecária e, assim, percorrer o caminho das letras junto a um mundo imaginário capaz de encantar crianças e adultos. Despida de vaidade, Graça, com seus 60 e poucos anos, não chegou a ser entendida pelos filhos. Vira e mexe a prole cobrava da mãe a estabilidade que uma carreira de juíza poderia ter dado a toda família, mas ela nunca quis saber disso. Confessa que não se sente à vontade para julgar ninguém. Seria uma péssima magistrada se passasse em algum concurso. O que a bibliotecária gosta mesmo é da liberdade de viver entre livros capazes de transformar pessoas.
Foi no meio dessa prosa boa que a paulista me contou várias histórias. Soube, então, que, dia desses, o neto de 6 anos chegou amuado na casa da avó.
– O que aconteceu, meu filho, perguntou a mulher com vivência de sobra para enxergar a angústia de uma criança.
– Estou triste, vó, porque na escola ninguém quer brincar comigo.
– Mas qual o motivo disso, querido?
– Meus amigos dizem que sou sujo.
O menino não precisou continuar. Graça percebeu que “sujo” era o rótulo que o neto ganhou por ser um ruivo natural, condição de menos de 2% da população mundial, e por ter a pele toda pintada de sarda. Os colegas de sala não entendiam que aquela criança “empoeirada” nada mais era do que um menino raro, cujo código genético era diferenciado da maioria. As características físicas dele eram fruto de uma mutação provocada por um gene recessivo.
Graça tentou aguçar a curiosidade do neto, explicando que ele entenderia sua forma física quando crescesse um pouco mais e tivesse aulas de biologia. Mas ela também sabia que precisava fazê-lo se sentir especial. Por isso, o pegou pelas mãos e saiu com o garoto a tiracolo pela rua. Entrou com ele em quatro lojas, embora não precisasse comprar nada. Em todas elas, as vendedoras se dirigiram ao menino.
– Nossa, como você é lindo, diziam.
Embora nada tivesse sido combinado, a bibliotecária sabia que o neto chamava atenção.
Minutos depois, ela interpelou a criança.
– Você viu, meu filho, o quanto você é especial?
– Nossa, vó, sou mesmo, né, respondeu o garoto surpreso.
– Então, amanhã, quando você chegar na escola, diga a sua turma que você não é sujo, mas um lindo menino ruivo, cujo charme encanta as meninas.
Dito e feito. O bullying terminou ali.
No final da nossa conversa, me lembrei de um texto que li no qual uma psicóloga perguntara para toda uma família durante uma consulta quem dentre os presentes era o responsável pela menina que seria atendida. Todos se entreolharam sem resposta, afinal, trabalhavam muito.
– Essa menina precisa ser prioridade na vida de alguém, respondeu a profissional.
Só então, eles se deram conta que amor sem cuidado não cresce.
O menino empoeirado que sofria bullying
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