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Pipoca, Bienal e o Brasil de verdade

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Sou apaixonada por pipoca. Tenho uma dificuldade enorme em resistir a um pacote, ainda mais quando o milho acaba de estourar.
– Quero um, pedi a vendedora no intervalo da minha palestra na Bienal Brasil do Livro e da Leitura, realizada em Brasília.
– Doce ou salgada, perguntou a mulher baixinha de olhos verdes, touca no cabelo, vestido decotado e comprimento na altura do joelho.
– Salgada, porque a doce tem muita caloria, brinquei.
– Pipoca não engorda, minha filha. Pode ser consumida na dieta.
Olhei pra ela, incrédula. Com 140 quilos, a vendedora de pipoca do Distrito Federal deveria estar blefando. Mas conversando com aquela mulher, descobri que os meus olhos e o meu preconceito não me deixaram enxergá-la por inteiro. Graziella tinha perdido 50 quilos dos 190 que chegou a pesar. Há quatro anos, ela está na fila do SUS a espera de uma vaga para realização da cirurgia bariátrica. Antes sem andar por causa do peso, ela não cozinhava mais para os três filhos.
Assistiu, da cama, a vida da família ficar cada vez mais difícil. Quando faltou comida na panela, a brasileira que só frequentou a primeira série do ensino fundamental percebeu que precisava fazer alguma coisa por ela e pelos seus. Sem dinheiro para frutas, iogurtes, pães especiais, ela foi à luta para emagrecer. Um ano depois, conseguiu a primeira vitória: ir caminhando para uma consulta médica. Hoje ela se orgulha de conseguir trabalhar para sustentar os filhos. Pelo menos, tenta.
Sem dinheiro para consertar seu carrinho de lanche, Graziella faz bicos. E o trabalho na Bienal era um deles. Para tirar um troco, ela alugou o carrinho de pipoca de um conhecido e, em meio aos livros que Graziela nunca leu, nós nos encontramos.
Pensei em quantos milhões de brasileiros, como ela, estão à margem de um país. E o fato de a Bienal ter acontecido dentro do Estádio Mané Garrincha mexeu comigo. O futebol une o Brasil, mas a educação ainda não conseguiu criar pontes, apenas produzir Brasis incapazes de se encontrar.
Na penúltima edição da Bienal de Brasília, a Secretaria de Cultura distribuiu vale-livros nas escolas públicas e muitos alunos puderam adquirir seu primeiro exemplar no evento. Este ano, com a contenção de gastos, o vale-livros – logo ele -, foi cortado. Se não empoderarmos a infância e a adolescência, jamais mudaremos o placar da desigualdade. Adultos como Graziela, a moradora da Brasília real, nos lembram a toda hora que vale à pena entrar em campo e jogar.

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