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Uma jornalista sem palavras

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Confesso que, depois de escrever “Todo dia a mesma noite”, senti medo. Não sabia qual seria a receptividade do livro. Tive receio dos julgamentos, apesar de estar muito convicta do trabalho que tinha feito e de tudo que vivenciei nos bastidores dessa apuração. Agora, vendo a obra ganhar o país e o coração dos leitores, me sinto imensamente confortada ao perceber que a leitura está provocando uma profunda reflexão sobre a forma de nos relacionarmos com o outro. Sobre o livro, Samuel Lima, professor da Faculdade de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, me escreveu:

“Dani, querida, li em dois dias, fazendo pausa em alguns capítulos. Acabei há pouco, na realidade, comovido e profundamente tocado pelo que transborda de humanidade da sua narrativa arrebatadora! (…) Quero te dizer que o resgate do drama humano, com detalhes novos e entrevistas inéditas com personagens fundamentais para recontar a tragédia da Kiss (caso da equipe médica e outras fontes que só falaram pra você), é também um baita resgate do jornalismo como forma social de conhecimento (…) Sua obra é prova viva de um jornalismo cujo alcance social e histórico transcende a fugacidade do presente!”

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A mensagem de Samuca, como Samuel é conhecido por seus alunos, está entre as centenas de textos tocantes enviados para a minha caixa de e-mails ou pelo Facebook. Como a do médico gaúcho que, mesmo lidando diariamente com o sofrimento humano, se diz tocado pela narrativa. “Mesmo passando grande parte do meu tempo dentro de um hospital, vendo o sofrimento dos pacientes, por várias vezes, não consegui conter as lágrimas enquanto lia “Todo dia a mesma noite”. Teu livro me fez refletir na minha profissão, no meu papel de filho, no meu futuro papel de pai, nas vítimas e sobretudo no sofrimento sem fim daqueles que hoje carecem de algum filho, pai, mãe que se foi de forma inesperada. Me fez pensar nas minhas relações diárias e o quanto somos passageiros nesse mundo, o quanto os problemas que consideramos o “fim do mundo” são simples e facilmente resolvidos. Me fez sentir saudade dos meus pais que estão em Pelotas. Me fez pensar o quanto já devem ter sofrido quando eu, ainda adolescente, saía para boates. O quanto o trabalho de pai é sem dúvida o mais difícil e desgastante que alguém pode ter, mas também o melhor. Que este livro possa relembrar a todos que 242 vítimas não podem ser esquecidas.”

Quando lancei a obra em Santa Maria, diante de um teatro lotado e emocionado, pude perceber que o livro cumpre um papel importante que vai além de suas páginas. Ver os pais se encontrando com os socorristas do Samu, e estes se confraternizando com os trabalhadores de saúde mental que, por sua vez, abraçaram os médicos do Exército e os enfermeiros da Brigada Militar me reconfortou. Me deu a certeza de que a história não contada da boate Kiss precisava ser narrada. Não só porque os 242 filhos do Brasil precisam ser conhecidos e lembrados, mas porque precisamos reencontrar a nossa humanidade.

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Lá no Rio Grande do Sul, ao me despedir de Silvio Beuren, um pai marcado pela ausência do filho, ouvi dele a frase que carregarei para sempre na memória:

– Guria, saiba que você tem um lar em Santa Maria!

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Dizer obrigada é muito pouco. Às vezes, até uma jornalista fica sem palavras…

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