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Do atrito à luz

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Nunca a política foi tão necessária na vida da minha geração.

Nós, que nascemos no terço final da ditadura militar, vivemos a infância e parte da adolescência nos permissivos anos 1980, entramos na idade adulta em um ambiente de otimismo embalado pelo Plano Real, pelo crescimento econômico nos governos FHC e Lula e só vimos o país melhorar em termos de democracia, nunca em nossa juventude fomos chamados à luta, fora no midiático impeachment de Fernando Collor. Quando estouraram as Jornadas de Junho em 2013, já éramos quase quarentões batalhando a época mais pesada da vida adulta, ocupados demais tentando consolidar nossas trajetórias profissionais.

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Uma geração, em sua grande maioria, tardiamente politizada, diferente da que veio antes e da que veio depois de nós.

Os últimos anos, cuja narrativa talvez conheça seu ápice no próximo 7 de outubro, obrigaram-nos a nos politizar, seja qual for nosso alinhamento, progressista, extrema-direita, liberal, comunista, humanista. A política baixou na mesa do café, na fila do cinema, no pós-pelada. E esse aprendizado ainda terá muita serventia pelos tempos vindouros.

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A política, astuto leitor, mais que a paz, é a antítese da guerra.

A ela precisamos nos agarrar para superar esse momento tenebroso pelo qual passa o Brasil e, em boa medida, também o mundo, em que pensamentos antidemocráticos, xenófobos, classistas e racistas trazem sua sombra para dançar ao sol da manhã, sem timidez ou constrangimento.

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Nas pequenas guerras cotidianas que temos travado, muitas vezes assediados por um outro de pensamento divergente do nosso, ecoa o prenúncio de uma guerra muito maior que não queremos viver. Uma guerra que está por vir, tão clara quanto o raio que anuncia o trovão, e que não podemos deixar que se deflagre.

Dalton Trevisan, sábio e maldito Vampiro de Curitiba, escreveu certa feita que “Da discussão nunca sai a luz. É no acordo de opiniões que ela se faz.”

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Tendo a pensar que, se da discussão não sai a luz, pelo menos fagulhas cintilam na oposição de ideias, no atrito que nos faz ir adiante, na direção, quem sabe, dessa luz a que se referia o velho Vampiro. A luz da compreensão mútua, do respeito ao diferente. Luz que se alcança somente através da prática política. Luz que precisa eliminar o obscurantismo fascista que se desenha no horizonte.

Esse processo eleitoral pelo qual estamos passando revelou crenças de pessoas do nosso convívio que talvez nunca viessem à tona não fosse o clima de ódio que prenuncia a guerra. Ocorre que, quando passar o 7 de outubro, e quando passar o 28 de outubro, teremos de viver com essa informação. Uma vez esclarecidos sobre o que pensa o outro, não temos como voltar à ignorância cômoda do não saber. Ao contrário, teremos de saber conviver com tudo isso.

Conviver, por exemplo, com a descoberta de que a dona na mesa ao lado do escritório acha correto torturar outro ser humano.

Que a moça do caixa do restaurante acha que o negro deve ser pesado em arroba, como são pesados porcos e vacas.

Que o homem sisudo na reunião de pais acha melhor ver um filho morto em acidente do que descobri-lo “bicha”.

Que seu dentista acredita que ter filha mulher é fraquejar.

Agora sabemos essas coisas. Seja qual for o resultado das eleições, esse conhecimento não mudará. E é preciso descobrir como conviver com essas diferenças de forma pacífica. Buscar o esclarecimento, trabalhar para que essas posições pouco humanistas não contaminem as gerações que estão por vir. Administrar com serenidade os desacordos.

E não tentar resolver as diferenças com a arma legalizada que você porventura possa vir a ter em seu porta-luvas.

Ou com uma facada.

A guerra, jamais.

 

Ilustra esta crônica a obra “Guernica” (1937), manifesto pacifista do artista espanhol Pablo Picasso, extraída do site do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia.
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