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O grande abismo

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Quando da morte do cantor Chester Bennington na semana passada, as redes sociais foram inundadas pelas postagens de um curioso espécime que habita os ambientes digitais contemporâneos: o psiquiatra de Facebook.

Espero não incorrer aqui no mesmo erro, mas fica difícil não tocar no assunto diante do curto espaço entre a morte de Chester e a de outro ídolo do rock, Chris Cornell, poucas semanas antes.

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Fugirei das assertivas. Apenas compartilho com você, muito estimado leitor, divagações. O que me vai na cuca.

Pois penso no abismo que estes dois homens encararam, no poder magnético do pavoroso e solitário abismo que os fez atirarem-se em seu nada absoluto de maneira tão precoce, de maneira tão terrível.

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Homens que realizaram seus sonhos, que são também os sonhos de milhões de jovens cabeludos com suas guitarras desafinadas nos quartos trancados do mundo.

Por que largar tudo isso?

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A música.

Os palcos.

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O sucesso.

Penso nisso, mas penso sobretudo na carta que Toni, mais nova dos três filhos de Cornell, escreveu em junho, quando se comemora o dia dos pais nos Estados Unidos.

Enquanto discorre sobre as várias lembranças que tem de Chris, Toni, 12 anos, escreve que guarda carinho especial por uma. Fresquinha. Do início deste ano. A do dia em que, numa noite em que se revirava na cama sem sono, viu o pai entrar pela porta do quarto e deitar-se com ela para juntos assistirem ao filme “Purple Rain”, com Prince.

E riram. E conversaram. E Chris disse o quanto amava a música “The beautiful ones”.

Como abrir mão de um momento como esse?

Como abrir mão, não apenas de viver, mas de não viver mais momentos como esse?

Por que largar tudo isso?

As cabeças juntas no travesseiro.

As mãos dadas sobre o lençol.

O riso em coro.

Como pai, estou convencido de que nenhuma experiência que vivi ou viverei se comparará, no dia em que tiver de abraçar a grande noite, a estes pequenos e mágicos e triviais momentos que compartilho com minhas meninas, como tantos pais fazem.

Como Chester, que deixou seis filhos, certamente também fez.

Quando nem isso – mais que a fama, o dinheiro, o sucesso – basta para ancorar um homem à vida, algo de muito aterrorizador vai em seu coração.

Um mês antes do suicídio do marido e poucos dias após a morte de Chris Cornell, a esposa de Chester Bennington publicou no Twitter a mensagem que um dos seus filhos, Taylor, de 11 anos, deixou em um post it pregado na caneca do pai.

“Pai, aproveite o seu ensaio ou o que quer que você vá fazer hoje. Ame a vida, porque ela é um ‘Castelo de Vidro’.”

Que sinfonia tão terrível é essa que, correndo surda por dentro, foi capaz de despedaçar o castelo de Chester, de Chris, de tanta gente que conhecemos ou conhecíamos?

Saberíamos reconhecer essa música se a ouvíssemos dentro de nós mesmos?

E se ouvíssemos… compartilharíamos?

 

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