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Trabalho de Formiguinha

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Escrevo essas mal-traçadas retumbando ainda o revés de 2 a 1 sofrido pelas meninas da Seleção Brasileira para a França. Revés e eliminação do Mundial.

(a França tem esse péssimo hábito com a gente pelo menos desde 1986)

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E eu imagino.

Imagino os homens pálidos e engravatados que assombram os corredores da CBF rangendo dentes, indiferentes ao placar, mas subitamente acuados.

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Imagino-os lamentando o fato de que são elas, as Vitoriosas de Le Havre, as meninas dos olhos de um país que, em grande parte, hoje torce o nariz para marmanjos mimados e multimilionários, chuteiras bordadas a ouro, tratados por “meninos” e “garotos”.

Penso nas sufragistas de uma centena de anos atrás.

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Penso em preto e branco, em Simone de Beauvoir acendendo um cigarro no Cafe de Flore em meio à homarada.

Penso em cores borradas, em Marília Gabriela apresentando a primeira edição da “TV Mulher” em 1980, minha mãe costurando sem parar no quartinho ao lado na velha máquina Singer.

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Imagino as revoluções mais barulhentas e a maneira silenciosa através da qual seus resultados se cristalizam. Devaneio. Faço uma ponte com as leis ambientais de 20, 30 anos atrás, que hoje nos autorizam a falar sobre recuperação da Mata Atlântica; que me concedem a graça de ver, da janela de casa, sobre a garagem, um fulgurante tucano, bicho de ver em zoológico; o baile de cem canarinhos ao redor de um ipê desfolhado pelo outono que se vai. Desconhecem gaiola. Fruto dessa “bobagem de ecologia”.

Essa repentina paixão pelas meninas do Brasil é uma construção também lenta e silenciosa, algo subterrânea, que ecoa mais de um século de lutas. São os efeitos da “balela” do feminismo. Dos “chiliques” das “feminazi”. Do “não!” ao “vai lavar um trouxa de roupa que passa”.

Não passa.

“Não passarão”, gritam os cartazes.

Essa paixão, cara gente leitora, não tem nada de repentina: reverbera o sacrifício irreconhecido de Pretinhas e Sissis, de Kátias Cilenes e Roselis, de Michael Jacksons e Martas, que roeram o osso de um “esporte pra macho”.

Um trabalho coletivo, de entrega, de um amor inabalável pelo jogar bola, que pode ser resumido na trajetória de Formiga, camisa 8 de sete Copas do Mundo, melhor pessoa brasileira atualmente no Paris Saint-Germain e que no último domingo disse adeus aos Mundiais.

Deixará saudades, sim, mas também deixará a Seleção Brasileira muitos andares acima do porão em que a encontrou no longínquo ano da graça de 1995.

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