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A reconquista da solidão

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Onde meteu-se a solidão depois que a abandonamos?

Soterrada sob toneladas de cabos de fibra ótica, abafada por sinais de satélite, sonho longínquo de ermitões.

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Por que a desgostamos?

Ao menor aceno dela, fugimos, ligamos para outro alguém. Mandamos um zap. Um direct. Uma foto. Fazemos uma chamada de vídeo. Eis-nos, carente leitor, cercados de “amigos”.

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Ninguém responde? Ora, faça um post reclamando do tempo. Está instantaneamente criada uma comunidade da qual o comum é o prazer de protestar contra o vento, a chuva, o sol. E eis você, meteorológico leitor, novamente cercado de “amigos”.

Ludibriaram-nos e nos fizeram abrir mão da companhia da solidão, ai de nós. E o que é ainda pior: roubaram-nos as possibilidades criativas e reflexivas da solidão, máxima musa inspiradora.

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Pois o vazio da solidão é também o vazio da criação.

O vazio da invenção.

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Onde manobram pensamentos o artista, o cientista, o homem ordinário.

O que estaríamos fazendo se estivéssemos em alguns momentos realmente sozinhos, incapazes de reclamar publicamente do tempo ou de mandar um S.O.S.?

Absorvendo a beleza do trinar de canarinhos, medindo o comprimento das sombras dos eucaliptos na tarde que se vai?

Criando uma nova canção, um poema, a cura do câncer?

Pensando com nossos botões, como diriam os antigos?

Refletindo sobre nossas ações?

Avaliando nosso papel diante das agruras da Terra?

Mergulhando dentro de nós mesmos em busca de conhecimento, de compreensão do mundo e de nosso lugar nele, em vez de nos afogarmos em autocomiseração?

Pois ao mínimo sinal da solidão, é isso: um telefonema, uma mensagem, uma postagem. Dependentes de conexões. Homo conexus, bem o que somos: hiperconectados, desaprendemos a ver a solidão como possibilidade, como espaço de invenção.

Viciados em aceitação e dependentes de comunicação, aficionados pelo falatório, o que deixamos de inventar? De descobrir? De viver?

Ah, solidão: ainda haverá tempo de cortejá-la e redescobrir seus encantos?

No alvorecer da biotecnologia, dos implantes de chips, da realidade aumentada, seremos capazes de um dia reconquistá-la em todo seu esplendor? Ou nos restará outra solidão, miserável, dolorosa, dissimulada, travestida de bits?

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