Soterrada sob a avalanche de odeios e adoros que fatalmente retumba nos primeiros dias de horário de verão, jaz aquela sensaçãozinha batráquia de que perdemos alguma coisa.
Como assim pular uma hora na vida da pessoa? Quem vai devolver esses preciosos 60 minutos? Não é à toa que repousa inquieto esse sentimento de privação.
Porque uma hora pode parecer pouca coisa para o Governo federal, que não tem corpo nem alma, coração nem espírito.
Mas não é.
Uma hora é muito para quem quer um cochilo no meio da tarde.
E talvez o suficiente para uma escapulida inconsequente no meio da manhã.
Para preparar um bom almoço.
Para ler um punhado de crônicas do Machado.
Para ir a pé e não de carro. Dar um rolê de moto.
Para se pensar melhor sobre uma decisão importante.
Para escolher as palavras precisas e não somente as necessárias.
Para ouvir um disco novo na íntegra.
Compor uma música nova. Pintar um quadro. Rabiscar um poema.
Curar uma dor de cabeça.
Uma hora de cafuné é tempo muito bem aproveitado.
Contemplar o movimento a partir de um banco de praça é desdobrar uma hora em várias. É quase viver outras vidas.
Uma hora é tempo bom para jogar uma pelada, uma partida de peteca, videogame, baralho ou gamão.
Brincar com as crianças. Brincar como as crianças.
Uma hora é tempo bom para uma visita.
Para um café no centro.
Três chopes e a conta.
Em uma hora podemos acertar contas com o passado, pavimentar o futuro, falar longamente ao telefone – com quem não se vê há muito ou com a atendente da Vivo.
Pois vive-se muito em uma hora.
Mas morre-se também.