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Toca Tom Zé

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Certa feita tive oportunidade de entrevistar Tom Zé. Ele estava lançando o álbum “Imprensa cantada” e a gravadora lhe organizou uma jornada de entrevistas. Era um tempo diferente de hoje e fazíamos nosso trabalho remoto por meio de um aparelho agora em franca decadência: o telefone. Nada de resposta por email, por áudio de WhatsApp, por videochamada ou coletiva on-line regulada por assessores. Uma conversa entre você e a fonte, em tempo real, mediada somente pela invenção de Graham Bell.
Naquele longínquo 2003, as assessorias combinavam o horário e passavam a jornalistas o número do telefone das casas dos artistas, pois o óbvio estava posto: o contato era para trabalho e não para ser compartilhado em fóruns da internet.
Quem atendeu foi a esposa do Tom, Neusa.
– Ele tá tirando um sonequinha. Peraí que eu vou chamar.
Cansado da maratona de entrevistas, pensei eu.
E lá veio o Tom, fundador da Tropicália, gênio do pop experimental brasileiro, cronista social, caixeiro-viajante das sonoridades inesperadas, com a voz amassagada de cochilo vespertino.
Uma entrevista com Tom Zé é uma aula. Conversamos sobre o imperialismo americano, sobre censura ao bom jornalismo, sobre o mau jornalismo, exploração do trabalho, música mainstream, rock e Raul Seixas – referenciado no DVD “Jogos de armar”, que estava sendo lançado simultaneamente, na faixa “A chegada de Raul Seixas e Lampião no FMI”. E daí eu tirei uma das mais valorosas lições da aula de Tom Zé.
Como todo bom professor, Tom Zé é também um grande contador de causos. Contou que uma vez estava tocando no Central Park, em Nova York, a convite de David Byrne, e na plateia um maluco insistia:
– Raul! Raul! Eu te amo, Raul!
E agarrava a barra da calça de Tom Zé na beira do palco, pouco importa que Raul Seixas houvesse falecido há uma década. Tom não se abalou e seguiu seu show acompanhado pelos gritos de “Raul, Raul”. Ao fim do espetáculo, o homem o procurou e pediu seu autógrafo.
– Raul, assina aqui pra mim.
E eu, um pouco indignado na minha juventude com aquilo que julguei desrespeito, perguntei ao Tom:
– O que é que você fez?
– Ora, assinei lá, “RAUL SEIXAS”. Eu ia acabar com a alegria do rapaz?

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