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A Cidade dos Cem Mil Mortos

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Adentramos a Cidade dos Cem Mil Mortos. Na guarita da Polícia Rodoviária Federal que vigia a principal via de acesso, nenhum militar fiscaliza a passagem. Estão todos mortos.

Um pouco mais adiante na estrada calada, um posto de gasolina emana silêncio. Estão mortos o frentista, o gerente, a moça da lojinha de conveniência.

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Os defuntos da Cidade dos Cem Mil Mortos não são escolhidos, não são vítimas de castigo divino nem de ação orquestrada de nação inimiga. Apenas deram azar de nascer ali. Ali, na Cidade dos Cem Mil Mortos.

Quando passamos pela oficina de bicicletas, pelo açougue, pela escola, pelo hipermercado, pela loja de departamentos, pelo ponto de táxi, estão todos lá. Mortos.

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O boteco mudo, as flores murchas, panelas deixadas ao fogo já extinto, o ar áspero de abandono. Na Cidade dos Cem Mil Mortos, o vazio é acontecimento. Enquanto rodamos pelas ruas silenciadas, os sobrados curvam-se sobre nós em saudação e advertência: não precisava ser assim.

Habitam a Cidade dos Cem Mil Mortos tios e pais e filhos e primas e amantes e diretores de cinema e verdureiros e empresários e torneiros mecânicos e músicos e no entanto: não há música na Cidade dos Cem Mil Mortos. Apenas o silêncio de cem mil cadáveres não velados.

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Nas fachadas dos prédios, nas placas de trânsito, nos luminosos apagados, a língua lembra que não estamos em terra estrangeira. Não é Hiroshima nem Nagasaki, Porto Príncipe ou Damasco. A morte aqui fala nosso idioma, exala nosso cheiro.

E depois de ver tudo isso rodamos, com as janelas bem fechadas, deixando para trás a Cidade dos Cem Mil Mortos. Mergulhamos na noite do Florão da América, sem faróis, rumo a uma outra cidade que nos espera.

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