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Sou eu, boba!

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O Super-Homem sempre me causou espécie. Como pode tirar os óculos, botar uma cueca por cima da calça e não ser reconhecido como Clark Kent? Mas a ficção estabelece um contrato com seu leitor: se você acredita que o rapaz voa, não vale reclamar dos óculos que o disfarçam.
O mesmo vale para personagens embuçados, como Batman e Zorro. Um chapéu e uma máscara e não se identifica mais os playboys Don Diego de La Vega e Bruce Wayne? Pensava eu um exagero, ainda que muito bem aceito dentro dos termos do contrato com a ficção. Mas até isso a pandemia faz rever.
Ou não encontrou você, perambulante leitor, com um conhecido na rua e custou a reconhecê-lo devido à naturalíssima máscara anticoronavírus? Acaso não ia você pelo cruzamento da São João com a Batista e estranhou o aceno de um mascarado? E não acenou de volta sem ter a menor ideia de quem fosse? E talvez, quem sabe, alguns passos adiante, não ficou matutando se era fulano ou beltrano, levando para casa o insondável mistério daquele encontro?
Felizmente a maioria das pessoas abdica de usar óculos de sol quando de máscara, pois o conjunto dificulta consideravelmente a identificação. O cidadão passa de bandido de bangue-bangue a ninja de filme B, assim, num estalo. Se mete um boné, é o próprio Homem-Aranha – inidentificável desde sempre sob a hermética carapuça rubra.
Se é difícil reconhecer na rua mesmo a gente de nosso convívio, imagina aquela conhecida que se mandou para outras paragens e só de vez em quando dá as caras – cobertas – na cidade. Vem agitando seus braços na Rua São Mateus, feliz pelo reencontro, e não podemos reconhecê-la senão diante da revelação vocal: “sou eu, fulana!”.
Resta-nos identificar, no cenário pandêmico, outros traços distintivos que não o rosto. Uma cabeleira singular. O braço tatuado. Uma barba que não caiba no paninho protetor. E aceitar a incerteza no olhar daqueles que, na mão inversa, também não nos reconhecem. Ou não teve você, camuflado leitor, também de dizer algum dia: “sou eu, fulano!”?

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