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Os últimos leitores

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Estamos no futuro e o papel não existe mais. Uma nova era da oralidade se estabeleceu e a leitura é uma excentricidade, uma estranha recreação preservada por poucos. Bibliotecas converteram-se em museus. Livros são artefatos remotos.
Jornais e revistas e gibis datados do século XXI são exibidos incrustados em imensas paredes de vidro. Os últimos impressos. Relíquias para serem vistas de longe, apenas pela capa, sinônimos de uma erudição que a quase ninguém interessa. “Não toque.”
A informação agora é toda audiovisual. As bisnetas de Alexas e Siris e Samanthas, perfeitas vozes incorpóreas, nos leem contos e romances, notícias e estudos, receituários e orações. Nossos recados são transmitidos por voz e nem nossos nomes assinamos mais: a retina é a nova firma.
Letras holográficas passam diante dos olhos dos últimos leitores, as cabeças enfiadas em capacetes de realidade virtual. As frases multicores vêm acompanhadas de estímulos sensoriais sonoros, variando a tonalidade e o ritmo de acordo com o movimento do globo ocular.
Não saberão, os últimos leitores, o que é sentar na praia com um volume barato de Rubem Fonseca, as folhas arranhando de areia e levemente umedecidas pelos dedos rugosos de mar. Folhear um tabloide sensacionalista no botequim, só saberão de ler numa crônica digital de Xico Sá. Viver, não viverão.
Apartados do mundo em sua experiência digital, os últimos leitores, os obstinados últimos leitores lerão sobre a gente tarada em cheirar livro novo. Sobre revisteiros em consultórios médicos. Sobre a tinta que os jornais recém-saídos da gráfica soltavam nos dedos. Sobre a alegria de entrar num sebo e escalar com os olhos montanhas de volumes antigos que sobem até o teto, as lombadas se desfazendo em amarelos e beges e tons ferruginosos.
E se perguntarão qual deveria ser a sensação de ter em mãos a concretude daquilo que, hoje, só lhes é soprado etereamente por robôs e nanochips. E entenderão então, os últimos leitores, que nem só da visão se fazia a leitura.

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