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A segunda morte de Luzia

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Não se entristeça, Luzia, com o pessoal que te tirou das entranhas da Terra na Lapa Vermelha, onde você descansava há 12, 13 mil anos. Se tiraram seus restos mortais do abraço acolhedor do solo foi com a melhor das intenções. Era ainda a década de 1970 e aquelas francesas e franceses e aqueles brasileiros acreditavam que, ao fazê-lo, fariam de você, fóssil humano mais antigo encontrado na América, luz para iluminar a história do mundo, não combustível para sinalizar o horror na Quinta da Boa Vista, fogo e cinzas em uma das mais negras noites da história do Brasil.

Ao te tirarem de sua cama de pedra e pó, eles não queriam te condenar a uma nova morte, carbonizada como as mulheres que na Idade Média atreviam-se a lançar luz sobre as trevas com sua compreensão da natureza, das ervas, dos chás, dos unguentos. Você, como elas, Luzia, pagou pelo medo que o poder tem do esclarecimento.

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Pois esse país, esse país que vem sendo cremado vivo, tem no comando homens que mudaram os planos daqueles obstinados que te encontraram no sono profundo em Pedro Leopoldo, e mudaram os planos daquelas dedicadas pessoas que tentaram te preservar do assassínio perpetrado por um Estado que há anos, há décadas, mira seus canhões contra toda e qualquer iniciativa que ameace tirar o povo da escuridão do não-saber.

(Saiba que aqui só se alimenta a ignorância, Luzia.)

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A munição dos canhões do Estado contra a cultura, contra a ciência, contra o saber e contra a história é silenciosa. Não faz estrondo porque é feita de vazio. De descaso. Sua casa na Quinta da Boa Vista, Luzia, para não ficar escangalhada como estava, precisava de muito menos dinheiro do que o montante que circula em malas e cuecas pelos corredores do poder em Brasília e em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Salvador, do Oiapoque ao Chuí, não se engane!

O que a natureza, que é mãe, que é Gaia e que cuida, fez por você ao longo de mais de 12 mil anos, guardando-a em um berço esplêndido de calcário e solidão, não pudemos fazer por miseráveis quatro décadas, Luzia. Que inúteis somos nós.

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Que você, em sua segunda morte, possa perdoar aqueles que te tiraram do colo da Terra.

Eles te queriam farol.

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Não incêndio.

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