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O Último Vaqueiro

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O Último Vaqueiro está sentado em uma pedra à sombra da mangueira. A manhã sobe lenta o céu marítimo onde singram nuvens em formato de canoa.

– Depois de mim não haverá mais ninguém -, comenta o veterano de diárias guerras vencidas.

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Ao nosso redor a horta adolescente, o coqueiro onde assentam meia dúzia de anus-brancos, a estrada socada pelo trote de ferraduras imemoriais. O Último Vaqueiro sabe que sua espécie caminha para a extinção. E abraça seu destino.

– Por que alguém vai querer acordar às 4 horas da manhã de segunda a segunda? – pergunta, sabendo a resposta.

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Pois a tecnologia chegou nesse cantão de mato e por sua janela luminosa pularam maravilhas inimagináveis, miragens de luz e som, sereias de chumbo e zinco, que atraem para as profundezas da urbanidade os jovens que ainda teimam em nascer por aqui.

Ninguém mais há de aprender o ofício do vaqueiro. Serão guardas penitenciários, corretores de imóveis, criadores de peixes ornamentais, engenheiros, mecânicos de jet ski, quem sabe veterinários. Qualquer coisa que não seja tocar vaca. Qualquer lugar que não seja aqui.

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– A comunicação evoluiu muito e isso mudou tudo -, constata o Último Vaqueiro. E não há rancor em sua voz. Talvez um pouco de melancolia, a reverência por uma arte condenada ao esquecimento, viva apenas em filmes mentirosos e em livros que ninguém mais há de ler.

Ninguém saberá separar um bezerro da mãe, ordenhar uma vaca, mochar um novilho, tocar um rebanho do alto de um quarto de milha. Não há mais para quem passar essa cultura. E o Último Vaqueiro, olhos serenos sob o chapéu de palha, compreende que sua sabedoria lentamente se dissipará sem deixar vestígio, como o mar que já não se lembra do dia em que foi riacho.

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