O Caldas Aulete (de papel) que conservo em minha mesa de trabalho define trombadinha como “menor delinquente que pratica pequenos roubos nas ruas”. Peço, generoso leitor, que para a leitura das seguintes linhas, compreenda trombadinha numa acepção mais particular, como “indivíduo que, não podendo comprar o que deseja, rouba”.
Com isso, acabo de descrever o trombadinha clássico, e também eu e você.
Por “trombadinha clássico” quero que entenda aquele jovem que, vendo Neymar usando tênis escandalosos (da Nike, não mais), os quer para si. Vendo Anitta usando jaquetas daora, as quer para si. E que, na impossibilidade de pagar pelos referidos apetrechos, decide roubá-los de quem puder. Pois é preciso tê-los.
Por “eu” quero que entenda um cidadão barbado, relativamente trabalhador que, na ânsia de assistir a determinado filme, indisponível nos três serviços de streaming que assina, considera razoável ir a um site que disponibilize películas piratas e baixá-lo de lá. Então vai e assiste ao filme, obviamente sem pagar por isso. Pois é preciso vê-lo.
Por “você” quero que entenda pessoa honesta, pagadora de impostos, torcedora de futebol que, fã de um campeonato que seus canais de TV não transmitem, acha-se no pleno direito de buscar links ilegais na internet ou instalar uma Sky Gato da vida, de forma que possa assistir a seu jogo como qualquer outro assinante. Pois é preciso assisti-lo.
No que somos diferentes, eu, você e o trombadinha? Apenas queremos aquilo que não temos. Não é legítima essa vontade? Se quero, tomo. Se não posso pagar, ou se não quero pagar, é outra história. Não discuto crime, discuto desejo, a vontade de possuir que nos leva a quase todos, por essas ou aquelas vias, a bater carteiras.
Veja, não são itens vitais: nem o tênis, nem o filme, nem o jogo. Todavia, condenamos o trombadinha e absolvemos a nós mesmos, eu e você.
Alguma coisa errada não está certa, caro leitor.
Indaguemo-nos, pois: por que somos levados a querer tudo, quando o que podemos parece pouco mais que nada?
Eu, trombadinha
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