Quantos de nós carregamos “classificações” médicas (TDAH, DPAC, Dilexia, DDA…). Elas significam avanços em termos diagnósticos, mas como temos reagido? O que temos feito com essa realidade – informação – constatação? Precisamos entendê-las e buscar os recursos – estímulo – para favorecer as perspectivas de melhoramento, a modificabilidade cognitiva e a reeducação do olhar sobre nós mesmos. Esse artigo narra uma experiência real e possível de plasticidade cerebral, de alteração no QI-coeficiente de inteligência, através de práticas específicas neuropsicopedagógicas, envolvendo a família.
Semana passada recebi duas mensagens no blog levantando questões acerca do encaminhamento profissional de crianças com algum tipo de Necessidade Educacional Especial. Na minha práxis educacional e psicopedagógica posso comprovar que com uma equipe multidisciplinar habilitada e competente , conseguimos avanços significativos na aprendizagem e no desenvolvimento , em qualquer circunstância.
Queria dividir uma experiência profissional com vocês:
Recebi no meu consultório psicopedagógico alguns anos atrás um rapaz de 16 anos com diagnóstico médico de “Retardo mental leve”e TDAH . Fiz uma pesquisa acerca da maneira pessoal com que ele se aproximava do conhecimento , talentos,dificuldades, sua história pessoal a partir da interpretação das experiências escolares e do seu grupo familiar, além do reconhecimento dado pela família em relação ao seu déficit , com as respectivas perdas. O diagnóstico deixou evidente atrasos na comunicação, na socialização, nas habilidades pedagógicas e cognitivas, além de manifestar características próprias da fase pré-operatória do desenvolvimento (referente às crianças de 4 a 7 anos) , segundo Jean Piaget.
Ele apresentava dificuldade em organizar as informações na mente, manipulá-las e utilizá-las nas situações cotidianas, não conseguia antecipar consequências futuras de seus atos; havia uma diminuição na capacidade de percepção do tempo-espaço; não conseguia manter a atenção nas suas representações mentais internas. Sua comunicação era deficiente porque ainda egocêntrica, devido a incapacidade de perceber o ponto de vista de outro; seu pensamento carecia de lógica, seu nível de linguagem era de Informação Adaptada e o de socialização de par fixo. Apresentava muita dificuldade nos conteúdos escolares, na realização das provas e exercícios, as matérias escolares não tinham significado nem utilidade prática, tampouco as atividades coletivas de educação física ou outras de cunho social.
A mãe demonstrava uma não aceitação da realidade do filho, questionando o diagnóstico médico, evitando determinados ambientes na tentativa de preservá-lo dos comentários e olhares alheios. Ela também restringia seu círculo de amizade aos conhecidos da igreja, familiares e frequentadores da sua loja de roupas. Os pais traziam uma matriz de dramas gerando grande sofrimento.
Foi preciso entrar nesta realidade para traduzir a rede de significados e representações; conhecer a complexidade das relações para conduzir à modificabilidade comportamental e estrutural desse paciente e de sua família.
Iniciei o trabalho clínico psicopedagógico de intervenção neste rapaz através de práticas específicas semanais ,além de reuniões com a escola, busca de mais informações com o médico e ação direta com a família (especialmente na mãe), investindo na confrontação da própria realidade, na criação- projeção de uma imagem real e positiva do filho e convidando-a para o trabalho corresponsável e participativo.
Um ano após o início do trabalho eram perceptíveis seus ganhos:já conseguia pensar com lógica porque seu pensamento baseava-se mais no raciocínio do que na percepção;adquiriu as habilidades operatórias tão necessárias para a compreensão do mundo, fazendo com que o imaginário e a realidade não se misturassem;começou a estabelecer relações coordenando diversos pontos de vista ;manifestou aumento da percepção de si mesmo e do mundo – resultado que se estendeu na ampliação das suas relações sociais, capacidade comunicativa e pedagógica. Esses avanços deixaram evidentes a passagem para um novo período do desenvolvimento: a fase operatória concreta ( referente às crianças até 11-12 anos).
Sugeri, então, que fizesse, novamente, seu autorretrato. E ele mostrou que já se via bem diferente….
Solicitei, então, novamente, seu autorretrato:
(Aparentes) Barreiras genéticas e ambientais não são decisivas nem determinantes. Todos podemos avançar, remodelar e modificar condições estruturais e ambientais em função dos estímulos , das necessidades, experiências, percepções e comportamentos que aprendemos a estabelecer com o meio externo e interno, permitindo uma constante adaptação, desenvolvimento e aprendizagem.