Pouco mais de uma semana atrás, a atriz cruzou algum “red carpet” da vida com um rosto completamente irreconhecível em relação ao que a consagrou com filmes nem sempre honrosos artisticamente, mas também o que estampava as fotos da premiação do Oscar de atriz coadjuvante em 2003, por “Cold Mountain”. Tão logo as fotos do evento deste ano – com a aparição da face transformada – foram para a internet, memes, piadas e críticas ferozes à obsessão por beleza pipocaram na rede.
Assino aqui meu documento de culpa, admitindo que eu mesma debochei da metamorfose. Entretanto, alguns minutos depois do “ai, ai” que costuma vir ao fim de crises de riso, percebi que, se Renée Zellweger tem hoje uma cara nova, é porque a que tinha, tal como reconheceríamos, era alvo de críticas e ataques. Na nossa sociedade, ai da mulher que se atreva a envelhecer ou ser imperfeita. E se e isso afeta a nós, mulheres acima ou abaixo do peso, com todos os nossos defeitos que não vão para a mídia mundial, o que se dirá de quem vive constantemente sob os holofotes, julgada pelo mundo inteiro em matérias e postagens vis, não raro pelo efeito de nosso único inimigo inquestionavelmente implacável: o tempo.
Caso exista, de fato, essa ditadura da beleza e do comportamento, é porque as que ousam se rebelar contra ela são fuziladas: com palavras, com a exclusão, com agressões físicas e mesmo com fuzis propriamente ditos. Como resultado, tornam-se norma os corpos padronizados e à prova de tique-taques. Se você não tem um desses, recolha-se em seu rótulo: gorda, magrela, flácida, velha, ou ao qual – entre tantos – melhor se adequar.
Somos julgadas pela máscara, pela casca, pelo que está na superfície. Seremos criticadas pelas nossas rugas ou pelos procedimentos que fazemos para escondê-las. Pelos quilos a mais ou pelos distúrbios alimentares que desenvolvemos para perdê-los. Se defendemos nossos direitos, somos “feminazis”. Se calamos a boca, com medo, “aproveitamos a moleza de ser mulher”. Nossas ideias, visões de mundo, talentos e convicções serão criticadas não com base no que elas representam, mas sempre no simples fato de sermos mulheres, ou menções a ele: “Mas que frescura”, “Vai lavar uma trouxa de roupa”, “Isso que dá contratar mulher”, “Cabecinha de dondoca”, “Tinha que ser loura”, “Mulher no volante, perigo constante”, “Jeito de sapatão”, “Xinga feito homem” e um imenso desfile de misoginias que nos atacam diariamente.
Nunca vi Fábio Jr – que foi um pitéu até pouco tempo – ser avaliado por algo que não fosse sua carreira ou sua fama de pegador, mesmo com os visíveis sinais do tempo que carrega na cara atualmente. Da mesma forma, mal reconheço o Silvester Stallone de hoje quando o comparo com o Rambo ou o Rocky de ontem, tamanho o número de plásticas e outros procedimentos que lhe deformaram o rosto. Desconheço comoção coletiva pelo fato. Fúlvio Stefanini, galã nos anos 1970, deve ter engordado uns dois dele próprio para chegar ao peso que ostenta hoje, mas jamais estampou capas de revista de fofoca por isso. Jackie Chan, famoso pelos filmes de artes marciais, nunca foi condenado ou malvisto por ter feito pornô no início da carreira. Talvez a exceção que confirme a regra seja Michael Jackson, achincalhado pelas transformações extremas com seu corpo, chegando a deixar de ser negro para ser branco e ter um nariz com o qual duvido que era possível respirar.
O certo, a meu parco ver (maaaas: cada cabeça, uma sentença), é isso mesmo: não condenar as pessoas, qualquer uma delas, por sua aparência, ou simplesmente pelo gênero sob o qual nasceram (ou o que decidiram ter). O problema é que essa métrica vale para um lado só. Quando se tem dois pesos e duas medidas, sempre alguém vai puxar o peso da carga sem qualquer ajuda, até que estoure, por isso, a coluna, os braços, a dignidade, ou, como vimos com Renée, a cara. Perdão, Bridget. Tamo junta.