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Tenho andado em um grande bode. Sabe bode, aquela preguiça misturada com desilusão e um senso de impotência enorme? Nunca vou entender, por exemplo, como uma pessoa se propõe a pagar centenas de reais para ir a um show do Caetano Veloso, um senhor (sempre importante lembrar, apesar do requebrado e da genialidade musical) de 75 anos para que o véio, maravilhoso, ouvisse: “quem defende corrupto é corrupto”, “babaca”, “cala a boca e canta”, entre outras coisas impublicáveis. Será que realmente acharam que Caê, que fez música de protesto, foi exilado durante a ditadura, deu um piti louvável e emblemático quando foi vaiado por cantar “É proibido proibir” no Festival da Canção, e mais que tudo, NUNCA teve papas na língua… será que acreditavam mesmo que ele não soltaria um “Lula Livre” neste momento em que vivemos?

De outro lado, tem Rock in Rio anunciando um tal de um “Espaço Favela”, justificado porcamente como um lugar de promover diversidade, mas que na verdade é uma versão urbana e canalha de um safári das mazelas humanas. Os pagantes vão tomar dura da polícia? Vai ter tiroteio? Vai ter toque de recolher do traficante? Vai ter criminalização da pobreza? Menos grave, mas não surpreendente, apesar de decepcionante, vem “Anira” me dizer que não quer ser associada ao feminismo, justo ela que trouxe uma mensagem positiva para tantas mulheres sobre posse do próprio corpo e da própria vida – ainda que com uma intenção claramente marqueteira. Entendo que ela é, também,vítima de um sistema que nos molda para refutar o feminismo. Mas ainda assim é lamentável, já que o trabalho dela, de certa maneira  pode ter ajudado a abrir a cabeça de pessoas que não teriam acesso a algumas formas de empoderamento por outras vias. Vejam vocês, nem falei no resto do que está acontecendo no Brasil e no mundo, e já me vem o bode de novo: velho, cansado, resignado.

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Porém, ai porém (beijo, Paulinho da Viola), conversava com a minha amiga Lara esses dias, e ela me disse que tem descoberto cada vez mais o exercício de se esquecer de tudo e viver apenas, apenas o presente. Foi um clique que teve quando lhe explicaram sobre seu (fofíssimo) casal de filhos: “crianças vivem unicamente o presente. Estão inteiras naquele momento que vivem, qualquer que o seja”. E ela me disse que tem tentado fazer isso. Esquecer-se dos boletos, da correria, das mazelas da vida, de política e, por exemplo, contemplar as crianças, Tom e Elis, brincando.

No dia seguinte, precisei fazer mil coisas no Centro, e me permiti me desligar do medo do futuro e dos golpes do passado. Só havia eu, Juiz de Fora e o que habitava meus fones de ouvido. E, de vez em quando, só pra gente não ficar doida ou doída, de fato é libertador viver o presente. Só o aqui, só o agora. Só um pouquinho.

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Vi doninhas serelepes conversando animadas ao carregarem bolsinhas de lojas. Vi pessoas recebendo, talvez uma mensagem do crush, talvez um meme, talvez até um nude, e sorrindo olhando para a tela do celular. Carros de meninas muito jovens, cheios, com música alta, todas cantando os versos aos berros. Estudantes de uniforme, casacos amarrados na cintura porque sempre esquenta ao longo do dia, caminhando e certamente falando bobagens entre risinhos. Casaizinhos travados num beijo, alheios ao dia da cidade. Parei para conversar com amigos queridos que encontrei por acaso pelo menos umas três vezes. Parei por um segundinho só para apreciar o caos do Calçadão – e não reclamar dele, como de costume. Também eu fiquei serelepe com comprinhas, olhando ao celular e cantarolando (não tão alto quanto estaria num carro cheia de amigas) o que o shuffle do Spotify me trazia.

Eu sei onde fui amarrar meu bode. Era a mim mesma. Mas naquelas horinhas o Centro, soltei a corda: #bodelivre! Eu se que ele vai voltar, invariável e teimosamente, se enroscar às minhas brancas pernas curtas e me empurrar para tempos que não o presente. O segredo é saber e se permitir, e sempre que dá, desamarrar o bicho. E descobrir que desatar nós, ainda que com algum ou muito esforço, é mais simples do que a gente imagina.

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