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No meu tempo

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No Serasa imaterial, meu nome está mais sujo do que pau de galinheiro. Fui obrigada a pagar a língua mais vezes do que jamais teria crédito. E sigo aí, vivendo e fazendo mais e mais dívidas, porque a vida nada é senão uma sucessão de vezes em que a gente se vê em débito lingual, fazendo exatamente algo que outro dia mesmo criticamos.
Embora seja nostálgica, tenho pavor de saudosismo chinfrim e acomodado. Da petulância comum a quem sempre teve todas as vontades feitas pela vida e não suporta perder um milímetro de privilégio: “Bom era no meu tempo”. Há quem sinta falta de um tempo em que se ofendia minorias impunemente – como se, de alguma forma, já tivesse sido realmente aceitável. Cada um chora por onde sente saudade, e foi precisamente esse pensamento que nos levou ao retrocesso de país em que vivemos agora: preconceituoso, faminto, quebrado, triste e motivo de chacota (e/ou pena) pelo resto do mundo.
Dito isso, tenho contribuído ativamente para o aumento do meu saldo devedor de língua. Veja bem, eu amo a Juiz de Fora dos dias de hoje, realmente cada dia um passo mais próxima de ter tudo para todo mundo, talvez como nunca antes. E óbvio, algumas das melhores coisas e pessoas daqui continuam o sendo. Mas olho pelo retrovisor e vejo a cidade ainda com um quê de caloura recém-chegada, quase vinte anos atrás, com tanto que não existe mais.
Ainda dava pra pegar uma Sessão do Cidadão no Cine Palace pela inacreditável bagatela de R$ 1. Na verdade, ainda dava pra ir a cinema de rua. A Capes, o ProUni e o Fies não tinham sido quebradas pra ir parar em bolso de pastor e o dólar… ah, o dólar! A gente via as pessoas conquistando coisas que nunca nem tinham sonhado. Andávamos pela Avenida Independência e quaisquer R$ 10 seguravam a noite toda na falecida “orla”, com direito a asinhas de frango no Piriá ou pastéis que desciam pelo sofisticado “elevador” da Pastelaria Ibitipoca. Outras vezes a noite era no “rouba-rindo” ou, se virasse madrugada, no “monstrinho”. Tinha o Mezcla, o Café Acústico e sempre tinha chance de a gente se deliciar com a voz da Lívia Lucas. Perdão pela hipocrisia, mas quando me vêm essas lembranças, não hesito em pagar a língua. Porque no meu tempo era bom mesmo.

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