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Que nos separe da morte

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Duvido que ele se lembre, mas meu amigo Ricardo Miranda é autor de uma das verdades mais inabaláveis que já escutei. Jornalista safo e obstinado, Ricardinho é também um dos grandes expoentes do Roça Pride (ou, como ele preferiria, “orgulho capiau”), e sabe sempre a medida certa que as coisas da vida devem ter. Algo que, creio eu, vem mesmo da sabedoria de cidadezinha pequena, de gente sem frescura e sem complicação: não caça pelo em ovo, mas tampouco diminui onde o sapato de cada um aperta.

Um dia, uns bons pares de anos atrás, o amigo cravou: “Não tem jeito não, boba, só o amor justifica esses trem tudo.” Veja que é de uma veracidade tão incontestável que caberia tanto para uma vitória triunfal ou uma derrota resignada. Para um coração partido ou pro caso de paixão avassaladora. Para oferecer consolo a uma situação sem esperança ou para reiterar prognósticos otimistas de que “vai dar tudo certo.” Pra um Brasil feliz de novo e para essa terra arrasada que restou para vivermos. Ricardo é que tá certo. No fim do dia, é o amor que justifica “esses trem tudo”.

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Amar provavelmente não vai tornar a vida mais fácil ou oferecer soluções para qualquer problema. Mas tente passar por qualquer aperto no peito ou se desesperar por alguma resposta (que pode nem vir) sem ter o coração aquecido pra ver o que é bom pra tosse. Muitas vezes o amor, ao contrário do que dizem, tem nada de onipotente, e só vai conseguir juntar as forças para dizer “estamos juntos nessa merda infinita”. Mas é impressionante o quão frequente é exatamente disso que precisamos para chegar ao dia seguinte, ainda que aos trancos e barrancos. Só com algum amor se dorme e acorda num país assaltado de sua dignidade, seu futuro e de tantas vidas todo dia, há tanto tempo.

O tal amor dos “trem tudo” vai além dos limites da conjugalidade, dessa ideia besta de duas pessoas predestinadas. É um sentimento sem cerca, sem carta marcada, não se limita, não se esvai, não tem mágica. Quando acontece, acontece. Como a sabedoria, quanto mais se dá, mais se tem. E por isso mesmo é esse amor dos trem tudo, ao fim e ao cabo, que nos separa insistentemente da morte – o que particularmente acho muito mais interessante que qualquer papagaiada de “morte nos separe”.

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