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“Eu faria de graça”

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Eu faço muita coisa de graça, mesmo quando se trata de trabalho. Já escrevi release de imprensa para amigos de banda para dar uma força. Perdi as contas de quantos resumos de trabalho eu traduzi – pois lecionei inglês por mais de dez anos-, para pessoas próximas, que inclusive me perguntaram: “Quanto te devo?”. Ao que respondo: “Nada, quando alguém te pedir indicação de tradução, lembre-se de mim”. Ouvi, diversas vezes, pessoas indignadas com o fato de o meu primeiro livro ser de distribuição gratuita, o projeto foi elaborado para que ele fosse assim. “Você é muito boba, podia estar ganhando uma grana.” Pode ser. Mas o que eu ganho com cada uma das pessoas que vem me dizer que se identificou ou se tocou com o que escrevi – e escrevo – é imensurável em cifras. Se isso é ser boba, aceito com satisfação minha alcunha. Não que eu não goste de dinheiro. Adoro. Inclusive, quero.

Mas na semana em que, na universidade em que frequento quase todos os dias, palavras escritas vociferaram o que uma grande massa pensa : “morte aos gays”, fiquei pensando no que poderia fazer com que alguém tivesse a pachorra de escrevê-las. Da mesma maneira, não entra na minha cabeça, não sendo legítima defesa, uma pessoa empunhar uma faca contra a outra. Jamais entenderei a apologia à tortura. Morrerei sem saber o que motiva os aplausos a mitos construídos sobre mentiras, preconceitos e violências simbólicas, e o que impulsiona tanta gente a propagá-las, não importa as consequências. Em um mundo tão notoriamente movido por dinheiro, seria por ele?

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“É a chance de um país sem corrupção”, argumento que eu entendo e reitero a frase em sua generalidade, como todo mundo sonha, por exemplo, em ver um dia a cura do câncer. Ninguém é a favor da corrupção. Fora, é claro, os corruptos. Não me surpreendeu, embora eu quisesse que sim, que mesmo após a denúncia na imprensa mundial, de um esquema milionário de propagação de mensagens falsas no maldito WhatsApp, eu tenha visto e ouvido o argumento: “eu faria de graça”.

O que não se vê é que não é de graça, o preço é altíssimo. Para muitos, muitas e muitxs, o preço é a própria vida. Mas quem oferece os “serviços” gratuitamente pela internet afora é isento. Ou, ao menos, pensa que é. No fim das contas, defender o que fere a existência de qualquer pessoa nos bota, como sociedade, em um barco a naufragar, mais lentamente para certos grupos, com a velocidade da luz para outros. E é por isso que eu, tão adepta da gratuidade – mas mesmo assim amando uma grana extra, que não sou besta – não me vendo a certas posturas nem por cifras milionárias, porque sei o quanto elas custam. O lado bom é que sei que estou longe, muito longe de estar sozinha. Há uma imensa multidão de invendáveis, pelo menos no que mais importa.

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