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“Eu nunca tinha pensado nisso”

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Nessa semana que se passou, pensando no que eu escreveria para meu aniversariante namorado (sou dessas), percebi que talvez a coisa que eu mais diga a ele seja “eu nunca tinha pensado nisso”. (Isso sem mencionar os “oooooooooooops”, “ooooooooopa”, “aaaaaai meu Deus” e variantes pouco publicáveis de quando eu derrubo alguma coisa, tropeço ou caio, desastradíssima que sou). Pensei em como é um privilégio e uma sorte nessa vida tão corrida e aleatória viver um amor recíproco com quem sempre tem um olhar novo para me mostrar sobre o mundo, não em um tom professoral ou de superioridade, mas só diferente, distinto, uma nova lente sobre as coisas. Simples e gostoso assim. (Não, essa não é uma coluna de amor – mas poderia ser.)

Desde então, não me sai da cabeça isso de “nunca ter pensado” nas coisas. Confesso que, à primeira vista, por inocência ou ignorância minha, eu só me encantei com as possibilidades de portas desconhecidas sendo abertas, pedacinhos de mundo se revelando com um olhar diferente do meu. Mas – talvez porque seja difícil ter esperança em tempos duros – logo me lembrei de tantas coisas em que eu “jamais havia pensado” me tiraram o chão, e pior: a dignidade, os direitos e a sobrevivência de outras pessoas.

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Vejo as bolsas da CNPQ, tão fundamentais à permanência de estudantes na academia, sendo cortadas aqui, na nossa UFJF. Comentários em matérias sobre o Miss Gay, a Semana Rainbow ou a Rainbow Fest destilando preconceito gratuito contra pessoas que quem digita as palavras odiosas sequer conhece. Cada dia mais, descubro mulheres que viveram ou vivem relacionamentos abusivos, não raramente chegando à agressão. Em seu extremo, culminam nos feminicídios que estão aí, todo dia nas notícias. Desafio qualquer um a clicar e confirmar. Nesta semana mesmo, um grupo de alunos e alunas negras falou sobre um coletivo, um grupo de cura, de acolhimento, tão necessário. Como é desolador que, em pleno 2019, ainda sejam tão imprescindíveis iniciativas para curar feridas que existem pelo simples fato de que a branquitude não consegue deixar de ser racista.

Dia desses conversava com a minha amiga Guiga, e ela, uma incansável militante, educadora e lutadora, disse, num tom de melancolia, algo tão triste como sábio: “Nosso limite do que é grave e inaceitável está se alargando”. Eu acenei com a cabeça concordando, em silêncio, enquanto ecoava na minha cabeça no mesmo tom cinza das palavras da Guiga: “eu nunca tinha pensado nisso”.

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