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No fundo do mar

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Sou pessimista convicta. Daquelas que acredita, com fé de carola, que se algo pode dar errado, certamente dará. Eu sei que nada ganho em esperar o pior das situações, e também creio que a negatividade cega e paralisa a gente, ao contrário dos bons pensamentos, que nos motivam e dão aquele gás para seguirmos em frente. Mas não posso evitar. Quando percebo, já estou woodyallenamente esperando que dê alguma treta, e os ventos virem para tempo ruim.

Convenhamos: #goodvibes demais dão interferência nas ondas das tais vibrações. Perder batalhas nesta guerra impiedosa chamada vida faz parte de ser convocado a lutar nela. Mas desconheço soldado que volte para casa estropiado, cansado, com baixas no batalhão e queira ouvir: “Calma, da próxima você ganha.” (Ou gente sensata que goste de guerra). Passamos uma vida ouvindo, na mais nobre intenção de quem nos ama e torce por nós – e quase sempre nos enxerga melhor que a gente mesmo -, que “o que é nosso está guardado.” Só se esquecem de dizer onde.

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Não raramente, o “que é nosso” pode até estar guardado sim. Mas num bauzinho, trancado a sete chaves, embalado a vácuo, em uma caixa de aço inoxidável, fechada a cadeado eletrônico e depositado no ponto mais profundo do oceano, próximo a um arquipélago ainda não catalogada pela cartografia. Num país como o Brasil, a maioria de nós morrerá mesmo sem ter a chance de chegar ao guarda-volumes “do que é nosso”. Meritocratas dirão que é só uma questão de saber nadar “atrás do que é seu”. Mas se esquecem de que tem gente que jamais sequer viu o mar. Como querem que cheguem ao fundo dele?

Mas, vez ou outra, a maré, como diriam os cariocas, “dá bom”, e “o que é nosso” parece cada vez mais próximo, quase palpável. É quando a gente ouve que uma menina negra de periferia se forma em Medicina. Quando o Portuguesinho abraça um marmanjo francês depois de os gajos vencerem a França em casa na Eurocopa. Quando a Globo, mesmo sendo Globo, peita a o ódio e o reacionarismo e exibe uma cena de sexo entre dois homens. Quando alguém que a gente ama nos surpreende com notícias boas. Quando nos damos conta que somos mais fortes e capazes do que imaginamos. Não vou mentir, até quando a gente acha dinheiro no bolso da calça jeans.

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É nestes momentos que somos tomados por uma overdose de esperança, apesar de nosso pessimismo, nosso cansaço e da sensação perene de que o ódio contaminou o mundo. E é exatamente porque eles existem que sigo, ainda que quase nunca otimista, com uma certeza inabalável: não importa o quão escondido esteja o que nos é de direito, é preciso continuar buscando, ainda diante da improbabilidade de acharmos. Não há outra opção.

Quanto a mim, vou nadando em direção ao fundo do mar, lá onde está meu bauzinho, encontrando uma chavinha por uma, sempre que a vida me permite. E continuarei – sempre – nadando.

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