“Você se senta para jantar e a vida que você conhecia termina.” Joan Didion parece sussurrar seu célebre mantra rente à minha orelha direita, ora em tom de constatação óbvia, ora como um lamento e vez ou outra como um abraço.
Sei que não é verdade, mas sinto, às vezes, que é na banalidade da rotina que ocorrem as curvas mais acentuadas no curso da vida. As melhores e as piores. Na mecanicidade de se sentar para jantar. Assistindo televisão com olhos inquietos em outras telas. Rindo de um meme absolutamente imemorável em outras circunstâncias. Sem anúncio, sem placas em contagem regressiva. (O mesmo não acontece com leves declives, anunciados a 500 metros, a 100 metros, adiante.)
Numa dessas curvas, acabei me perdendo de mim mesma sem tempo de me despedir, de pedir desculpas, de chorar para que ficasse um pouquinho mais. Demorei tanto tempo a gostar da companhia da Júlia então sentada ao volante que me senti injustiçada quando ela voou pelo para-brisa enquanto perdia o controle do veículo.
Ficou essa outra, que não é nem que eu desgoste, mas ainda não conheço bem. Sei que vamos nos dar bem, porque se tem uma coisa que a antiga me ensinou é que tempo não foi feito pra se jogar fora. E embora eu seja diagnosticada pelo finado Orkut como quente e letrista, isso é coisa de cálculo fácil: a gente não desperdiça coisa que não sabe “o tanto” que tem – em bom mineirês.
“Você se senta para jantar e a vida que você conhecia termina.” Eu nunca mais vou ser a Júlia de antes daquela curva. E tudo certo, “camarão que dorme”; “levanta, sacode a poeira”, etc.
Mas eu queria muito ter dito “obrigada pela carona”. E que ela tivesse tido mais tempo.
Jantar
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