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United States of Brazil

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Oito pessoas mortas, onze feridas. Um 38 com numeração raspada, arcos e flechas, uma machadinha, um coquetel molotov, uma mochila com fios certamente explosiva e outros aparatos que corroborava com a intenção clara dos assassinos: matar. Vão dizer que a culpa é dos videogames, de uma geração que aprende a atirar em consoles por trás de telas, que sente a experiência de disparos de forma cada vez mais realistas em jogos cada vez mais imersivos. Já culparam filmes, gêneros musicais, inclinações religiosas e, claro, sempre utilizam o processo de “monstrificação” como justificativa, como se o algoz não pudesse ser, literalmente, qualquer um ao nosso lado. Qualquer um. Como se quem atira fosse sempre um pária social, diferente do resto dos cidadãos “de bem” e “tementes a Deus”, enquanto estes mesmos ironicamente fazem disparos imaginários com armas feitas com os dedos. Vai entender.

Dirão também que a atrocidade do massacre voraz que ocorreu em Suzano (SP), na Escola Estadual Professor Raul Brasil, é uma resposta a anos de bullying, apesar de quase nunca, nas histórias destes tiroteios em massa, vermos mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTTI, e gente excluída em geral da sociedade normativa, vítimas claras e certeiras de bullying historicamente, efetuando disparos. Não que não haja, nem tenho estes dados. Os que tenho apontam que, numericamente, quem puxa o gatilho, ou desfere os golpes, ou ativa a bomba, é, na maioria das vezes, homem branco, hétero e cis,  clamando por alguma forma de justiça ou de sentido superior da maneira que acredita legitimar sua existência como tal: a violência extrema e dizimadora.

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A cobertura do massacre em Suzano já aponta para as semelhanças entre o crime em massa ocorrido por aqui e o histórico ataque em Columbine (no estado do Colorado), nos Estados Unidos, em que dois estudantes executaram treze pessoas e depois cometeram suicídio, como aconteceu no Brasil. Há indícios de que os assassinos brasileiros tenham se inspirado nas estratégias e no modus operandi made in The United States.

Não sendo perita criminal ou tendo qualquer conhecimento técnico que possa oferecer um laudo esclarecedor sobre as motivações, a lógica, o planejamento ou qualquer detalhe sobre um crime estarrecedor como este, não posso – eu e qualquer leigo -, obviamente, sequer esboçar um esqueleto de respostas para uma violência de tamanhas proporções. Mas não é preciso ser expert para entender a conjuntura em que ela aconteceu.

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Num momento em que se bate continência para qualquer coisa que venha dos Estados Unidos, presidido por um homem declaradamente homofóbico, racista, classista, colonizador e armamentista, não é de se surpreender que estejamos importando também a cultura que advém deste cenário das terras do Tio Sam. Ainda mais em tempos em que conhecimento técnico, discernimento, retidão e preocupação com a coletividade (que sim e obviamente, apesar do argumento contrário, inclui as minorias) não entram na fórmula natimorta que configura o atual (des)governo brasileiro. Ademais, não é possível que não esteja claro que a violência explícita no discurso de alguém que rege o país (se é que se pode dizer tanto) – que publicamente anuncia que vai “metralhar” opositores (ou pelo menos já o fez) – influencia, e muito, para a legitimação de uma cultura de “tiro, porrada e bomba”. Não adianta lamentar o massacre de Suzano e forjar pistolas com as mãos. Enquanto considerarmos revólveres com dedos solução para argumentos, estaremos sujeitos a projéteis disparados de armas reais, tirando vidas de verdade.

Mas quem sou eu – ou você – para pagar de perita, não é mesmo?

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