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Um punhado pobre de sinônimos

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Em busca delas, espremi todo o dicionário, com o empenho de quem torce uma toalha de banho recém-lavada. Nada. O apartamento não é grande, é o esquema “dois quartos-sala-cozinha-banheiro”, com uma pequena sacada de vista para o nada e o quartinho de bagunças. Tamanho ideal para que se encontre qualquer perdido, mesmo os analógicos, que a gente não pode geolocalizar. Mesmo assim, percorri cada cantinho, procurando, vasculhando, examinando, investigando. Nem sinal. Sumiram. Pirulitaram-se. Deram no pé. Vazaram. Ralaram peito. Partiram. Desapareceram. Pluft! Deixaram-me apenas na solidão deste punhado pobre de sinônimos.

Passamos um bom chão da vida juntas, eu aprendendo a entendê-las e renovando, com direito a papéis que certificam o compromisso e tudo mais, uma espécie de promissória assegurando nossa parceria. É um contrato relativamente simples: por piores que as coisas pudessem estar, elas não me faltariam, e eu estaria sempre a serviço delas. Vez ou outra saímos machucadas quase sempre pelos mesmos motivos: eu, por não me omitir em exibi-las; elas, pela minha eterna condição de aprendiz ao usá-las – também prevista em contrato, dada a vivacidade delas. Até que rompemos, e não sei bem se por culpa minha ou delas.  Corri as mãos aos bolsos, entre folhas de caderno, busquei em todos os arquivos do laptop e espetei cada pendrive que encontrei à sua procura. Mas hoje, e talvez só por hoje, parece mesmo que elas não vêm. Não porque tenham perdido a força, mas porque eu, temporariamente, perdi a capacidade de encontrá-las.

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Não que eu queira invisibilizá-las ou tenha medo das que consigo achar, muitas, inclusive, vêm rapidinho à mão. Fascismo. Pandemia. Morte. Genocídio. Repressão. Racismo. Extermínio. Corrupção. Milícia. Impeachment. Crise. Miséria. Assim, isoladamente, encontro-as nítidas e carregadas como nunca de seus significados. Mas confesso minha inoperância, ainda que momentânea, para enfileirá-las com outras na tentativa de fazer algum sentido da realidade.  É que as palavras tendem mesmo a se esconder ou a escorregar pelos vãos de nossos dedos quando são incapazes de nomear o que é absolutamente intolerável.

 

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