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Pra não dizer que não falei de esperança

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“Não misture política com emoção”: cada vez que escuto, meu globo ocular revira como as motocas no da morte. Equivocado e, no limite, intangível, o argumento tenta sustentar que seria possível conceber algo tão fortemente cravado no social como a política em algum lugar distinto do que se sente. Como se as emoções fossem destacáveis da vida cotidiana. E como se não houvesse política em todos os aspectos da nossa existência.

Embora não seja novo, esse discursinho classista e higienista vira e mexe ecoa por aí, com pretensos ares de análise científica. Mas só mostra a ignorância, ou cegueira ou ambos, de que o que trata de gente passa pela emoção – para dar a explicação mais simplista possível. Sobretudo num momento em que o Brasil acumula, enquanto escrevo, o escandaloso número de 2.286 mortes diárias por Covid-19, num montante total de 270.656 desde o início da pandemia. (Agora que você lê a coluna, o número já aumentou, e não foi preciso ser pessimista ou futuróloga para eu afirmar.) Isso sem falar nas taxas galopantes de desemprego, feminicídio e nos milhões de pessoas sem ter absolutamente o que comer, em nossa trilha a passos largos de volta para o Mapa da Fome da ONU.

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Se a política que conduz a esse abismo não é capaz de despertar raiva, tristeza, angústia, desilusão, desesperança ou o mais absoluto estado de medo, eu não sei o que será. Somos sim – e devemos – ser movidos por aquilo que nos indigna, que se mostra intolerável, e hoje mais do que nunca, aquilo que mata (adoraria que fosse só na metáfora).

Esse discurso de que “política não se mistura com emoção”, “não sou de extremos”, “tem que ser racional” cheira muito a quem não se comove com a dor alheia – às vezes, nem com a própria – porque nunca precisou. E pode crer, o que não falta é dor pra causar comoção no Brasil de 2021. Depois de tanto tempo operando “na força do ódio” (como diria a juventude), da desilusão, e sobretudo do medo, quero mais é que a gente se debruce de novo sobre um horizonte em que a esperança possa vencê-los.

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