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Resposta ao tempo

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Por um brevíssimo momento, um quase nada, um lapso, eu confesso – não sem sentir vergonha – que pensei, quando a mulherada de Hollywood anunciou que ia de preto pro Globo de Ouro: “Sério que é isso que elas vão fazer contra as dezenas de assédios relatadas? Não tenho orgulho, mas foi a primeira coisa que me passou pela caixola, no auge da minha pretensão e meu martelinho de julgadora em riste. Ainda bem que passou, e rápido.

Logo que a mesquinharia deixou minha cabeça, percebi o quão representativo é manifestar-se pela roupa em um evento em que, historicamente, tudo que se pergunta a mulheres com carreiras extraordinárias é: “Quem você está vestindo?”. Neste ano, vestiram “chega de assédio”. Maravilhosas. E muito além de trajarem a causa, literalmente, as hollywoodianas brilharam em seus discursos, levaram outras ativistas ao evento, fizeram e foram história. Ainda há muito que caminhar, sim, mas como a Oprah, vejo o novo dia no horizonte de que ela falou em seu discurso. Lá no fundo, quase imperceptível talvez, mas a cada passo chegamos um pouco mais perto dele.

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Dias depois, um texto da Danuza Leão falando que o Globo de Ouro parecia um funeral e que culminava num infame “toda mulher deveria ser assediada três vezes por semana”. Ela não estava só, Catherine Deneuve e umas cem francesas escreveram uma descabida carta aberta defendendo o direito do homem à “cantada”, lamentando o fato de homens serem punidos por “quando tudo o que eles fizeram foi tocar o joelho de alguém ou tentar roubar um beijo”. Em primeiríssimo lugar, preciso dizer que respeito o direito de ambas à sua opinião e à expressão dela, por mais esdrúxula que um incontável número de gente possa julgar.

Dito isto, não consigo acreditar que, em pleno 2018, as pessoas – homens e mulheres – ainda finjam que não conseguem distinguir assédio de cantada. Puxou papo, teve conversa, elogiou? Cantada. Rolou? Massa, bom pra você. Não rolou? Se ela sair fora e tudo bem pra você, segue sendo cantada – que não colou, mas é a vida. Se você insistir apesar dos nãos, cruzou a linha, é assédio. “Chegou para embelezar o ambiente”, dito por um homem principalmente superior hierarquicamente a uma mulher, em um ambiente de trabalho: assédio. Porque qualquer resposta negativa pode repercutir na carreira dela.

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Eu poderia desfilar uma série de exemplos cotidianos, como muitas vêm fazendo no Facebook, mas, por ora, acho que e só importante dizer o quanto falta empatia a tais francesas e à Danuza. Até porque, infelizmente – fiquem tranquilas, Danuza e Deneuve – nem tão cedo os homens vão deixar de tentar roubar beijos, comentar e tocar nossos corpos sem serem convidados e constranger e diminuir mulheres em seus ambientes de trabalho.

Medir o mundo pela própria régua é um perigo alarmante, principalmente quando a gradação dela traz efeitos que são extremamente nocivos a outras pessoas. Ao lamentarem a morte inverdadeira da cantada, colocando-a no mesmo balaio das mais formas variadas de assédio – nem sempre sexual, é preciso reforçar -, a brasileira e as gálicas deslegitimam a reação de tantas mulheres a abusos que foram historicamente silenciados. Em Hollywood, na França e bem do seu ladinho. Além disso, endossa o pensamento de que nós, mulheres, precisamos, necessariamente de um fiufiu, um “gostosa” ou sons indecifráveis de cunho sexual gritados nas ruas para que tenhamos autoestima – como se toda mulher, inclusive, gostasse de homem. Que precisamos de machos para ratificar nossas capacidades e atributos, físicos ou não.

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Eu falaria muito mais sobre este assunto, e continuarei falando, apesar das respostas atravessadas, do deboche com a questão tão séria e de amizades desfeitas em redes socais. Mas creio que, por hoje, acabaram-se minhas linhas. Assim como acabou o tempo de impunidade para Harveys, Woodys, Josés e incontáveis outros, como bem pontuado por Oprah. E também de mulheres que enfraquecem a luta de outras, por julgarem suas experiências individuais mais relevantes que a coletividade, Danuzas e Deneuves. Time’s up. O tempo agora é de irmos juntas, ainda que nem sempre concordando.

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