Site icon Tribuna de Minas

‘Pode descer que eu tô passando’

PUBLICIDADE

Estou sempre pedindo desculpas. Atribuo à escola de freiras em que estudei por toda infância essa bobagem de sentir culpa sem motivo, sair gastando meus créditos de perdão a torto e a direito. Na sempre calorenta Três Rios, não passava do portão deste colégio (ou passava, com advertência) quem não usasse meias brancas e sapatos ou tênis pretos ou brancos (só de escrever, já senti a idade pinçando a lombar). Eu, caxias – até hoje – até o cadarço de meu Rainha branquíssimo, não era de ousar desafiar o dresscode – ou a irmã diretora. A lateral do tênis era minha transgressão, com um detalhe roxo o suficiente para satisfazer a revolta silenciosa, mas pequeno o bastante para que o calçado continuasse sendo branco.

Talvez desse medo enorme de falhar, de estar errada mesmo no tom das meias, veio essa mania de me desculpar.  E pode ser que venha daí também a paixão que carrego até hoje por pequeníssimos atos de rebeldia. Quase que um segredo, um acordo comigo mesma de não seguir todas as regras em manifestações ridículas e invisíveis a olho nu. Tomar café da manhã no almoço. Sair à francesa de uma festa chata. Enrolar na cama mais cinco minutinhos. Deixar pra lá. Revoluções invisíveis a olho nu, mas que invariavelmente transformam o dia da caxias de meias brancas.

PUBLICIDADE

Foi minha amiga Dida que afrouxou vários tênis pretos ou brancos em que eu aprisionava e aprisiono os pés pela vida afora. “Pode descer que eu tô passando aí pra te pegar.” A máxima que já nos levou a cafés no meio da tarde, filmes duvidosos, conversas chorosas, saideiras infinitas, blitzes policiais, tantos fins e tantos começos. A dulcíssima liberdade de ter o arco-íris inteiro para calçar. Um luxo ao qual só pode se dar quem não tem pressa, justamente porque sabe que alguns imprevisíveis são para uma vida toda.

 

PUBLICIDADE

 

Exit mobile version