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Qual vida negra importa?

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Toda pessoa branca (ou reconhecida como tal) nasce beneficiada pelo racismo, mesmo que jamais tenha uma atitude discriminatória em toda sua vida, porque é assim que estamos estruturados historicamente como sociedade. Daqui de onde falo, não sei o caminho ou a fórmula para que possamos quebrar tais estruturas preconceituosas, excludentes e discriminatórias. Mas não vejo outra possibilidade de que isso aconteça a não ser ouvindo quem está no lado oposto do sistema (e “cis”tema) racista que favorece a branquitude – e outros marcadores de privilégio. E é por isso que hoje eu me calo, atentíssima às palavras de quem escreve, minha amiga Dandara Felícia, 39 anos, preta e travesti.

Qual vida negra importa? A resposta pode parecer óbvia, mas saindo de minhas mãos é provocativa. No caldeirão de identidades que somos, algumas vezes percebemos que as vidas negras importam para fazer a luta para toda a sociedade, depois… depois elas são descartáveis. E por que eu levanto isso hoje e agora? Porque estamos na primeira semana de junho, mês do orgulho LGBTQIA+ e esse evento tem uma história muito profunda de descarte de corpos negros depois que são aproveitados.

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“Stonewall” é talvez o grande exemplo de como os mais oprimidos são os que iniciam a revolta, rapidamente têm sua pauta capturada e depois são descartados. E eu escrevo isso hoje para que a gente não repita sua triste história.  A “Revolta de Stonewall” começou como um levante, um protesto contra a polícia, motivado pelo tratamento violento dispensado pela mesma contra as trans, gays, lésbicas e bissexuais que frequentavam o bar cujo nome mais tarde batizou o nome da data.

A história conta que foi Marsha P. Johnson, uma travesti preta quem atirou a primeira garrafa e depois disso as coisas aconteceram. Durante dias, as pessoas apoiaram as manifestações LGBTQIA+, que foram crescendo, e hoje comemoramos o 28 de junho em menção a esta luta. Só que as duas travestis, uma preta e uma hispânica, já no segundo ano foram excluídas da participação no movimento hegemônico.  Já não prestavam mais.

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Essa história que contei aí em cima pode ser vista no “Sylvia Rivera”, ou na Netflix no documentário “A morte e a vida de Marsha P. Johnson”. E por que é importante falar disso nesse momento? Porque para além do movimento LGBTQIA+ ser uma coisa que conheço, como travesti preta que sou, percebo nesse momento uma movimentação muito parecida acontecendo.

É muito difícil para uma pessoa possuidora de privilégios se reconhecer como tal.  Entendendo que o nosso país tem uma dívida brutal com pessoas pretas, principalmente porque a gente não discute o caso, acredito que agora, como nos EUA, seja a hora de não cometermos os mesmos erros que cometeram com Marsha e Sylvia. Debater e combater o racismo é urgente, não dá mais para se aproveitar da luta antirracista, repetindo a história da escravidão dos corpos negros somente para depois invisibilizá-los. O momento é de todos e todas nos unirmos, sim, em torno da causa preta,  mas não capturá-la, descartando depois essas pessoas. Só assim, somente nesse momento veremos todas as vidas pretas importando.

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