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Hoje não

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Hoje não tem coluna. Porque se eu fosse escrever, diria que é inadmissível, depois de uma menina (sim, menina) de 16 anos ter sido estuprada por 30 (?), 33 (?), 36 (?) homens, haver quem diga: “mas tem que ver isso aí”, “às vezes ela queria mesmo”, “quem garante que foi estupro?”. Mas não. Hoje,  falhou o “antes que eu me esqueça”. Acabei me esquecendo de explicar, mais uma vez, que dá nem para questionar. Foi estupro. Tem vídeo provando. Foi estupro porque ela tem menos de 18 anos. Porque ela estava desacordada e incapaz de consentir. E seria, ainda que ela tivesse 18 e consentido aos 30 e tantos, crime digital. Porque as imagens – que eu jamais poderei “desver”- de seu corpo ferido e nu foram espalhadas na internet sem seu conhecimento. Não sou eu quem diz, é a lei.  Até porque estou falando nada, não tem coluna hoje.

Não tem. Para quem eu escreveria? A quem nega a existência da cultura do estupro? Talvez, se fizesse um texto, eu relembrasse do maior medo de bandido homem: “virar mulherzinha” na cadeia. Ser mulher, então, é isso? Ter seu corpo tomado à força? Neste ponto, eu alfinetaria, diria que ser mulher pode até não ser sinônimo de sofrer abuso sexual, mas é viver com este medo todos os dias. Todos. Os. Dias. É ter seu direito de ir e vir cerceado por ruas em que não se deve passar sozinha, e seu guarda-roupa avaliado entre peças que dão ou não livre passagem para a a violação de seu corpo. É ouvir, desde pequena, que “homem é assim mesmo”, para a justificativas que vão de louças não lavadas a uma tentativa de beijo forçado em uma micareta. É ter, tantas vezes, sua fala atravessada pela “verdade absoluta e incontestável”: a opinião de um homem. “Mulher não entende disso”, nem sobre abuso que ela mesma sofre, aparentemente. Mas não vou ser “chata”, nem estragar seu domingo. Hoje, neca de coluna.

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Não adiantaria, também, escrever aos que defendem castração química para autores de estupro. Vivo das palavras que escrevo, mas quais seriam suficientes para explicar que isto não impediria novos crimes sexuais de acontecerem? Como mostrar que só a transformação da educação de nossas crianças pode reverter os índices de violência sexual a longo prazo? Que é machista – e repugnante – “prender as cabras”, porque “o bode tá solto”? Que recém-pais de meninas que se dizem, agora, “fornecedores” em vez de “consumidores”, reforçam a cultura do estupro? Como argumentar com quem, com respaldo da nova secretária de Políticas para Mulheres, é contra o aborto mesmo em caso de estupros como este, hediondo? Como apontar que isto não é ser pró-vida? Vida de quem? Como provar que combater abuso sexual não é questão de opinião? Não dá. Por isso, hoje não tem coluna. Hoje me recolho em meu silêncio doído, imitando a maioria esmagadora das vítimas de violência sexual. Hoje não tem coluna. Hoje não.

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