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Eu vou vibrar no medo, sim

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A moça no apartamento de luxo que faz vídeos levianos falando de nutrição e exercícios físicos, desprovida de licença para as duas coisas, agradece, na certeza de que o vírus nos tornará melhores: “obrigada, coronavírus”. As correntes, pensadores de internet cujos pensamentos não se sabe a autoria, orações a santos assinadas por Buda, mil e uma cartas de autoria de um filisteu qualquer atribuídas a Chico Xavier, falsas premonições de profetas inventados, crendices disfarçadas de ciência, tudo, tudo, tudo reveste de uma capa colorida e espiritualizada a dureza de uma realidade com a qual – compreensivelmente – não sabemos como lidar.

“Não vamos vibrar no medo”. Vamos vibrar em que, diante de uma pandemia que ultrapassa um milhão de infectados em todo o globo e coleciona milhares de mortes, com números que assustam na contagem de um dia para o outro? Como não vibrar no medo, com cada fibra de nosso ser, diante de discursos oficiais que ameaçam um país inteiro e contrariam órgãos e portarias internacionais de protocolos para proteger a população? Vibrar é pouco, meu corpo inteiro tem abalos sísmicos de medo a cada mentira desmentida e rementida em pronunciamento oficial, como se vivêssemos em uma chacota eterna de Primeiro de Abril. Infelizmente, é verdade.

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O problema de máximas “#goodvibes” vazias que tendem ao extremismo como “não vamos vibrar no medo” é a desnaturalização de um sentimento, seu desmerecimento, sobretudo diante de um cenário em que ele é plenamente justificável. (Porque sim, temos medos irracionais e nem por isso menos legítimo). “Não vamos vibrar no medo” silencia quem, de fato, teme, seja o contágio, seja a solidão do isolamento social, seja as consequências dele, seja o futuro depois que pudermos circular pelas ruas novamente, seja a incerteza de quando e como isso vai acontecer.  E acredito ter o respaldo da psicologia ao acreditar que calar um sentimento que existe não só não faz com que ele desapareça, mas tende a tornar seu efeito ainda pior com o tempo.

Não se trata do oposto extremo, de se entregar à negatividade. De fato, há motivos suficientes para se ter esperança: os dados de que a quarentena de fato reduz a contaminação; a dedicação e a rapidez com que a ciência tem encontrado soluções paliativas e a longo prazo para a ameaça viral; o trabalho árduo de quem sacrifica a saúde em prol do funcionamento da sociedade; tantas ações de solidariedade de estranhos e estranhas para com as outras pessoas; os dados crescentes sobre a cura de pacientes, inclusive em grupos de risco.  O ser humano, em momentos extremos pode sim mostrar sua face mais vil, mas impreterivelmente também revela, de outro lado, os seus melhores traços.

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Nada contra, de fato, quem escolhe se agarrar à certeza de vibrações que sequer flertam com o temor. Cada pessoa deve ser absolutamente livre para viver como bem escolher, principalmente na atualidade extrema em que cada um e cada uma se apega a qualquer coisa que traga conforto para viver essa atualidade tão dura. Vamos vibrar no que a gente quiser, precisar e conseguir. Que me perdoem os goodvibers de “zapzap”, mas eu vou vibrar no medo, sim. E também na esperança, no acolhimento, na raiva, na alegria, na preguiça, na produtividade, na serenidade… vou vibrar no que aparecer, sem desmerecer sentimento algum.

 

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