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Uma ofegante epidemia (II)

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Não faz muitos anos, escrevia sobre o Carnaval parafraseando Chico Buarque e chamando-o, como nos versos célebres de “Vai passar”, de “uma ofegante epidemia”. Não faz muitos anos,  é verdade, mas na verdade faz uma vida. Era 2015, eu “beirava os 30 anos”, qualquer ameaça de fechar o Congresso estava nos livros de História, e ainda havia dias azuis e de sol num fevereiro de verão. Num espaço tão curto de tempo, todo este mundinho de 2015 foi por água abaixo, certamente contaminado por alguma doença como alguns dos foliões que sambaram na água de esgoto no Rio, São Paulo ou BH. (Ou não, porque se tem uma coisa que resiste é o que emerge do povo, então em tempos de água podre no Rio, coronavírus e fascismo, resistir é questão de sobrevivência. Vimos isso mais claramente do que nunca nos desfiles de escola de samba cariocas, e certamente veremos no sistema imunológico de quem viveu, se esbaldou e foi feliz durante os quatro – ou mais – dias de carnaval).

Eu não sou muito de viver de nostalgia, mas vez ou outra me pego com saudade de ser menos cínica, menos descrente, menos calejada. E olha que eu, pessoalmente, posso dizer que nunca apanhei da vida, pela série de carimbos que não me canso de repetir aqui: branca, cis, hétero, classe média, etc etc. Tomo umas chineladas e outras pelo fato de ser mulher e, sobretudo, por ser jornalista no Brasil de 2020, mas a borracha das sandálias nas popas de minha bunda é sempre um tanto amenizada pelas carimbadas que antes mencionei. Mas sinto falta de uma atmosfera de esperança, de um senso de possibilidade, de empregadas domésticas que iam à Disney e compravam eletrodomésticos, de manifestar abertamente meu contentamento com a felicidade alheia e ouvir réplicas diferentes de “comunista”, “feminazi”, “vai pra Cuba” (aceito passagens), “petralha”. Em 2015, se o mundo não era mais interessante, talvez eu fosse um pouco mais ingênua, ou nós conseguíssemos nos passar por ambos. De qualquer forma, tenho saudades. Mas passa.

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Não que eu seja ou esteja amargurada. Algumas coisas, felizmente, nunca perdem seu sentido. Como inúmeros dos bons versos de Chico. “O samba popular”, não importa como e por qual avenida, mesmo sob ameaças de fanatismos políticos e religiosos, sempre, invariavelmente, “vai passar” – não importa o quanto o tempo seja ou esteja uma “página infeliz da nossa história”. E o carnaval seguirá sendo “uma ofegante epidemia”, seja por euforia desenfreada ou pânico de coronavírus.

 

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