O prefeito tira do bolso interno de seu paletó um lenço Premier e o leva à testa para impedir que o suor lhe deixe mais irrequieto ainda. Ele sempre carregava um lenço consigo mesmo. Não que sempre transpirasse por estresse. O lenço Premier lhe lembrava o pai, a quem perdera há cinco anos. Mas, sim, por fim, sempre transpirava por estresse. Quando se via encurralado no Palácio da Cidade, buscava irremediavelmente o próprio gabinete. Não a passos largos, mas mansos – afinal, sempre fora cínico. As solas dos pés sempre arrastavam-se no chão, por isso não gostava de tapetes.
Ao entrar, o ritual era o mesmo: sentava-se sobre sua cadeira sem postura alguma, retirava o lenço Premier de seu bolso interno, inclinava-se impacientemente para a direita, e, finalmente, sacava o smartphone do bolso da calça. Logo na tela inicial, havia um atalho de seu álbum musical preferido. Sua esposa quem havia cometido tal praticidade. Não eram todos os serviços de streaming que tinham o álbum.
O álbum – com louvores, como sempre ressaltava ao corrigir os curiosos – era por ele mesmo interpretado. Os poucos interlocutores do prefeito que sabiam do ritual, achavam-no um tanto quanto indecente. Ele mesmo desconfiava do próprio hábito, mas lhe era aprazível. Uns diziam que era egocêntrico, e ele dava de ombros. Apenas gostava do timbre da própria voz, de escolher bem os próprios ternos e de poupar o cabelo do tom acaju.
No entanto, desta vez, a concentração na própria voz lhe fugiu. O presidente lhe ligava. Estava ansioso por um decreto em vias de ser baixado pelo prefeito. Mas, por outro lado, o prefeito não estava certo sobre editá-lo. O decreto desgostava parte importante da alta sociedade local. Certamente por isso sentia falta de quando senador. As decisões não eram minhas, lembra-se. Ele era um cidadão de bem: tinha compaixão com quem pensava como ele, argumentava a si mesmo.
As mãos suavam quando a ausência de alternativas lhe encurralava. O presidente é um bom homem, ponderava, ele e os filhos precisam de minha ajuda em seu próprio reduto eleitoral. Mas a impopularidade do decreto lhe afligia. No fundo, no fundo, pensava somente na reeleição, que, já admitia, lhe escorria entre os dedos desde que vendeu a alma à Câmara Municipal para arquivar um impedimento no último ano.
Finalmente, o prefeito tomara a decisão. Atenderia a ambos – afinal, sempre fora cínico. Gostaria de tomar uma dose de conhaque, como nos filmes, mas não bebia. No dia seguinte, em uma coletiva de imprensa, com a postura e o charme – aliás, todo cinismo pressupõe um charme – com que certa de quando bispo era, anunciaria o decreto. No outro, voltaria atrás, e, com a mesma postura e o mesmo charme, anunciaria a retificação nas próprias redes sociais. Só não sabia o que faria caso o presidente novamente lhe ligasse. O prefeito levou o lenço Premier novamente à testa.