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Impávido que nem Muhammad Ali

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(Foto: Alexandre Vidal/Flamengo/Divulgação)

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Gerson e Juan Ramírez (à esquerda), justamente o acusado de injúria racial pelo rubro-negro, em disputa de bola  (Foto: Alexandre Vidal/Flamengo/Divulgação)

Quando o Flamengo recebeu a LDU de Quito, Equador, no Maracanã, em jogo válido pela segunda rodada da Libertadores da América de 2019, Everton Ribeiro tomou para si a bola como um predestinado. Everton sempre teve sob os próprios pés o tempo, o espaço e o ódio de qualquer lateral-direito adversário. À época, pensava comigo mesmo que, da altura dos meus vinte e poucos anos de vida, nunca havia visto um jogador esbanjar tanta classe com a vestimenta rubro-negra quanto Everton Ribeiro. Em poucos meses, contudo, haveria Gerson.

Dentre as linhagens da Gávea, Gerson é o herdeiro daquela cujo primogênito é Zizinho e os sucessores, Rubens, Moacir, Geraldo Assobiador, Andrade e Adílio. Apesar de formado em Xerém como um dez clássico, Gerson joga no Flamengo como um autêntico oito. Esconde a bola certo de que ninguém teria a ousadia de roubá-la. Não importa se a domina de costas ou se está a norte ou a sul da linha central: Gerson dá o próprio corpo, gira sobre o adversário e a conduz, livre, logo depois de ajeitar a gravata borboleta do próprio smoking.

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A mera presença de Gerson em campo oferece uma denúncia aos tribunais da crônica esportiva ardilosamente racista. A qualquer jogador negro é reservada em última instância a sentença de um brucutu, um jogador alijado de inteligência, incapaz de sequer um arroubo de racionalidade. A qualquer jogador negro resta apenas a condenação à prisão perpétua do reconhecimento limitado dos próprios dotes físicos e instintivos. Mas Gerson, não o primeiro, nem tampouco o último, ignora o papel para o qual foi sentenciado desde o próprio nascimento.

E Gerson incomodou justamente Juan Ramírez, que lhe mandou calar a boca por ser negro. Mesmo com o placar adverso àquela altura, o rubro-negro poderia ter deixado o gramado. Porém, Gerson permaneceu. E expôs sumariamente a negligência da equipe de arbitragem, bem como do delegado da partida à ofensa racista. Com apenas nove companheiros, Gerson, impávido que nem Muhammad Ali, tomou para si cada palmo de grama e alertou até às almas penadas presentes no Maracanã que não é afeito a mandados.

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