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O futebol tornou-se sinônimo de medo

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(Foto: Alexandre Vidal/Flamengo/Divulgação)

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Porque popular, o futebol é a expressão mais agoniante da relação entre o povo e sua história. Manifestação genuína, quase pueril, e, por isso, passional. Se o sujeito vive sob amarras para evitar quaisquer frustrações, o futebol lhe é o mais acessível gesto de liberdade. Mesmo que seja sofrível assistir a seu time. A relação não é de fidelidade, mas de devoção. Caso contrário, o futebol seria esvaziado de sentidos, uma vez que, no Brasil, há alguns anos, o esporte atravessa um marasmo irritante. Pois o confronto entre o Flamengo, de Jorge Jesus, e o Grêmio, de Renato Portaluppi, no Maracanã, nesta quarta-feira (23), é um ato misericordioso em um cenário conservador.

A cultura do futebol brasileiro forjou-se na relação entre o jogador e a bola, não entre o jogador e o espaço, isto é, da várzea ao Mário Helênio, o jogador busca, a todo momento, em campo, a bola. Entretanto, o apreço em tê-la é cada vez mais raro. Ao invés de propor, reagir é a nova ordem. Acostumamo-nos a times conservadores; reacionários. Desprezam a bola por parte significativa do tempo e satisfazem-se com placares ínfimos. O jogo deixou de ser uma manifestação corporal genuinamente artística para beirar uma expressão mecânica mambembe. Aliás, o debate supera questões táticas; de ter ou não a bola. Trata-se da relação do sujeito com o jogo. Do sujeito com os contratempos político-culturais com os quais convive. Como o samba, por exemplo, o futebol é uma reação às ruas.

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Pois não há, atualmente, times mais brasileiros – na acepção histórica do termo – do que Flamengo e Grêmio. Cada um a seu modo, inclusive. Em quatro meses de trabalho, Jorge Jesus, um português, retomou o imaginário do escrete de 1981, o que Abel Braga, um brasileiro, não fez questão de tentar. O Flamengo busca a bola porque busca o gol. Não há movimentos que não sejam vorazes, objetivos, seguindo à risca a cartilha brasileira. O Grêmio, que faz mais questão da bola do que o Flamengo, contraria a própria história, orgulhosamente conservadora e excessivamente briosa. O Tricolor ainda soa tão intuitivo quanto sincronizado. Gabigol, como o segundo atacante, e Cebolinha, como o ponta melindroso, sintetizam o que há de mais brasileiro em ambos.

É pela relação do sujeito com o jogo que o futebol brasileiro é reconhecido mundialmente. Pois Pelé, Garrincha, Pepe, Tostão, Ademir da Guia, Gérson, Zico, Sócrates, Rivelino, Romário, Ronaldo etc., expressam não só o futebol, mas uma fantasia. O futebol brasileiro foi forjado antes mesmo de qualquer prática. Se os primeiros jogos foram entre a elite, o povo, especialmente o negro, escravizado e marginalizado, apropriou-o e constituiu a sua essência. Se o futebol brasileiro foi relegado ao medo, somente a recuperação de sua alma pode restabelecer algum nível de ilusão e resistência ao medíocre.

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