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Por fim, um hospital de campanha

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Dentre tantas descrições despretensiosas cunhadas por Eduardo Galeano, aquela sobre estádios de futebol, em “Futebol ao sol e à sombra”, é a minha predileta. Galeano nos questiona se, alguma vez, já entramos em um estádio vazio. “Experimente. Pare no meio do campo, e escute. Não há nada menos vazio que um estádio vazio. Não há nada menos mudo que as arquibancadas sem ninguém”, completa. As sentenças sem vírgulas são tão definitivas quanto subjetivas. Inevitavelmente, o escritor uruguaio cita o Maracanã, que “continua chorando a derrota brasileira no Mundial de 50”. E não há silêncio tão melancólico quanto o do Estádio Jornalista Mario Filho. Destas ironias da vida, no entanto, o estádio, que tantas catarses já sentiu, terá a memória marcada por misericórdia.

Pois o Governo do Estado do Rio de Janeiro prepara no Maracanã um hospital de campanha para ampliar em 400 leitos a capacidade da rede pública de saúde em razão da pandemia do novo coronavírus. Dos 400, 80 serão de terapia intensiva. Bem da verdade, a estrutura está em construção no Estádio de Atletismo Célio de Barros, e não, precisamente, no Mario Filho. Que, como gostam de dizer, integra o Complexo do Maracanã. Mas sem preciosismos. Agora, as angústias impregnadas nos concretos do Maracanã em 70 anos de história soam como irrelevantes. O que serão os martírios rubro-negros, cruz-maltinos, tricolores e alvinegros senão mera casualidade diante de um sofrimento implacável?

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A ironia é que um estádio de R$ 1 bilhão será utilizado exclusivamente, por tempo indeterminado, como um equipamento provisório de saúde. Quando o coro clamava por mais hospitais para a rede pública diante da Copa do Mundo de 2014, empregaram recursos públicos em uma reforma mais tarde revelada como um crime patrimonial sórdido. Já o Célio de Barros, por sua vez, seria demolido e relegado a estacionamento. O Maracanã não precisava ser reformado. Tampouco reconstruído. Mas os caprichos sempre retornam a galope como ironia. Tal qual essa. A carta na manga diante do iminente colapso dos leitos é uma estrutura antes ressignificada como a mais debochada negligência às demandas populares mais cruciais.

Se Schiaffino e Ghiggia o Maracanã fizeram chorar em 1950, o que restará ao estádio após as mortes que, atônito, certamente está em vias de registrar? Se Joaquim Cruz deu ao Célio de Barros em 1981 o único recorde mundial dos 800 metros registrado em solo brasileiro, qual memória o hospital de campanha deixará às velhas arquibancadas? Não há nada menos vazio do que um estádio vazio, Galeano. Mas não haverá de existir nada mais melancólico do que um estádio cujos jogadores estão em uma trincheira rasa já entregues a tiros e respiradores. Que as lamúrias de um domingo sejam a maior apreensão de que lembrará o velho Maracanã.

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