Poucas tramas têm me saltado tanto os olhos quanto a saída de bola em tiros de meta. Tão logo o arqueiro posiciona a bola na risca da pequena área, os dois zagueiros centrais apontam próximos a cada linha lateral divisória da grande área — o movimento só não é tão minuciosamente coordenado quanto soldados chineses em marcha. Os laterais, também envolvidos pela dança, colam-se às linhas laterais. No entanto, o ponto-chave aqui, preste atenção, é o comportamento dos jogadores adversários mais avançados: cuidadosos para não invadirem a grande área, projetam os próprios corpos quase à altura de um atleta sedento por disparar em cem metros rasos. Não há nada tão sadomasoquista quanto uma troca de passes dentro da própria grande área.
O desespero dos jogadores envolvidos é palpável, pois não há quaisquer alternativas entediantes para o desenrolar de uma saída de bola às portas da própria meta. A mais comum, dado o nível técnico dos protagonistas, é o chutão do próprio goleiro depois de, em média, três passes trocados — claramente não fazem o tipo dos ortodoxos —, o que, convenhamos, pode ser aliviante para os torcedores, mas é brochante para os telespectadores de gosto apurado. Em certas solenidades, um dos beques ou o próprio goleiro, diante da tensão emanada por milhões de aficionados, erra clamorosamente o passe para o lateral direito ou mesmo o esquerdo. Contudo, a desventura mais excitante é um erro ou mesmo um passe interceptado justamente na cabeça de área, o que, normalmente, deixa os artistas do espetáculo completamente rendidos.
Há, ainda, o derradeiro desenlace, o objetivo pleiteado inicialmente pela casamata, que é expor, sem misericórdia, os zagueiros adversários a uma correria desenfreada pra trás em bolas lançadas às suas costas. Porém, não nos interessa, neste momento, uma solução pragmática, ou seja, executada tal qual o planejado, embora também prazerosa à sua maneira. Há uma beleza genuína em acenar de bom grado para o imponderável no futebol. Desafiá-lo com deboche. Ou olhá-lo por apenas três segundos e, em seguida, hesitar com certo charme. A saída de bola em toques dentro da própria área é um escárnio ao imponderável. Quando os zagueiros centrais buscam os meio-campistas, não os laterais, então, é uma difamação.
Justiça seja feita, a mudança na regra em negar sequer um palmo de grama dentro da área aos jogadores adversários foi uma bênção aos hedonistas, já que permite à infantaria adversária se lançar a defensores visivelmente incomodados em participar da trama. Afinal, qual a graça da bola quebrada pelo goleiro no peito de um centroavante ou ricocheteada na cabeça do beque? O alívio não é tão sublime quanto o gozo precedido pela angústia da iminência de assistir ao avançado adversário empurrar a bola contra a meta do time para o qual você torce, mas, por fim, levar as mãos ao rosto após a bola espirrar para a linha de fundo.